sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

E assim termina o ano

Confesso que passa por aqui muito boa gente a quem eu não consigo pronunciar o nome.
Eles são coreanos, japoneses, chineses, bascos, um sem número de povos de hábitos e costumes estranhos.
Mas no que toca a nomes verdadeiramente curiosos, o prémio de 2010 vai para uma futura advogada francesa que se apresentou como Marineige.
Sendo que passei grande parte dos meus anos de francês no liceu a pensar em futebol, matraquilhos, na rapariga que se sentava ao meu lado nas aulas, na geometria dos tacos do chão das salas dos anos 40 e na importância dos movimentos republicanos na Catalunha, não consegui perceber o nome.
Marinezzzz, pareceu-me.
Perante o meu ar de espanto, ela repetiu, naquele tom de superioridade civilizacional que marca os gauleses aquilo que me pareceu ser: Marinezzzzzz
Sorri e afastei-me. Contudo, ela, atenta a esta minha falha linguística confessou-me ser de origem espanhola e que o nome dela era, nem mais nem menos do que uma tradução para o francês de Marinieve, Maria das Neves em bom português.
Emocionado, contive um sorriso de escárnio, pus-lhe a mão no ombro e encetei conversa com o meu primeiro hóspede de Taiwan, que ao saber desta sua condição me deu um abraço esmagando-me de felicidade asiática.
E assim se acaba um ano na esperança de reacções menos eufóricas e pessoas com nomes mais pronunciáveis.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Eesti

De todas as estirpes de hóspedes que por aqui passam, há um género que me irrita particularmente:
Os indivíduos que vêm a outros países apenas para confirmar que o país de origem é melhor do que aquele que estão a visitar.
Pois ontem chegou-me um jovem de quase dois metros oriundo desse grande exemplo civilizacional que é a Estónia. Com pouco mais que um milhão de habitantes a Estónia é conhecida internacionalmente pelas coisas que todos nós conhecemos.
Pois a bela alma veio de lá com os seus conhecimentos adquiridos ao fim de um ano de aturado estudo da língua portuguesa com comentários como tudo é tão barato em Portugal, como as lojas portuguesas não aceitam pagamentos com cartão de multibanco para maquias de 1 e 2 euros, como o único café de uma aldeia ao pé de Góis não tem wifi, como o nosso leite ultrapasteurizado não presta, como o nosso leite fresco é apenas semelhante aos piores que têm na Estónia e de como é tão mais caro, de como o país é quente e de fácil vivência, de como é ridículo construir cidades em 7 colinas.
Depois de conversa aturada pelo pobre Alex sobre as especificidades e diferenças da língua portuguesa entre Portugal e Brasil com comentários como: no Brasil não se fala português correcto porque há imprecisões gramaticais, de como o português europeu soa a algo aristocrático, de como é uma língua simples e elementar, pese embora ainda não tenha da sua boca ouvido uma qualquer palavras portuguesa bem pronunciada.
Talvez seja este post uma homenagem à paciência do Alex que repetiu ad infinitum a palavra "moram" que a jovem alma dizia "mourão" e não se apercebia das diferenças fonéticas, afirmando, de forma convicta que estava a dizer bem e que não havia diferença.
O ponto alto da noite foi um magnífico berro afirmativo em pleno Bacalhoeiro sobre como eu não tinha percebido como o cantor brasileiro tinha cantado com sotaque português no início, tendo depois regressado ao registo natural dele.
Claro está que reconheci uma superioridade intelectual deste jovem, que saberá, melhor que eu ou qualquer outro nativo do português, reconhecer estas subtilezas.
Como tenho um hostel que se pauta pela mediocridade intelectual, convidei-o a sair.
Que isto o Natal não é todos os dias...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Como Lisboa influenciou Gogol

Comentou-me uma cliente que, em Lisboa, lhe parecia ter visto muito personagem digno de livros de Gogol e Tchekov.
Sorri e limitei-me a educadamente ignorar os grandiosos planos de encerrarem as alas de psiquiatria dos nossos belos hospitais. Claro está que também a desmenti, começando desde logo a fazer contas mentais a fim de a desmentir.
Aqui neste canto da Graça onde habito só há o Preto do chapéu que fala sozinho ao fim de vários cartões de vinho, discutindo política de forma intensa com o seu "amigo", o do bigode que adopta em jardins públicos posições de fazer inveja ao family guy, o velhote corcunda que lê o expresso e carrega caixotes do lixo de um lado para o outro, um espadaúdo africano que consegue dormir nas mais estranhas e desconfortáveis posições nos muros do clara clara, o arrumador Raúl, oriundo de Badajoz e que recentemente lançou uma fatwa sobre um casal romeno, a senhora grande que repete ad infinitum "filho de uma granda vaca", o Alves que ameaça os clientes que não são do Benfica e que fala ao telemóvel no meio da estrada interrompendo frequentemente o trânsito, o senhor do lixo que cumprimenta e sorri a toda a gente que passa na rua mostrando o seu olhar esbórneo e os dentes podres, o drogado de olhar esbugalhado que tenta assaltar pessoas e que depois pede desculpa pelos sustos e maus jeitos, o buldogue francês que dá pulinhos maricas e o qualquer coisa velhote que me olha com um ar mais sapiete que a lagarta da Alice no País das Maravilhas.
Portanto, não vejo por aqui assim tantos personagens quanto isso e assumindo, como assumo, que o miradouro da Graça é um microcosmos de Lisboa, não haverá assim tantos por essas colinas fora.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Que persistência

Há coisas que, por muito que viva, creio nunca vir a entender na totalidade.
Uma delas é a paixão italiana por serem esmagados nos matraquilhos.
Confesso que fazia tempo que não jogava quando por aqui surgiram uns italianos que já por aqui estiveram duas vezes e que ainda não se aperceberam que sinto um especial prazer em tratá-los mal.
Pois não obstante a minha dissimulada falta de simpatia com que os recebi uma terceira vez, eles sorriram, eles entraram a falar de tal forma alta que todos os possíveis fantasmas de almas penadas que nesta casa existam acordaram sobressaltados e assumiram um à vontade normal de quem já conhece os cantos à casa.
Até aqui, tudo normal em relação a pessoas nascidas na bota da Europa onde se elegem pessoas como Berlusconi como primeiro-ministro apenas para lhe partir os dentes da frente.
O que foi realmente estranho foi o facto de um deles, depois de já ter sido humilhado mais vezes que eu paguei impostos (e refiro-me aos comuns produtos do dia a dia), me veio pedir para jogar matrecos à frente de todos os seus amigos.
Sendo uma pessoa a quem a violência física e psicológica pura e simplesmente repugna, evitarei descrever aqui a forma humilhante como fui marcando golos enquanto enunciava e enumerava velhas glórias do futebol italiano como Paolo Rossi, Vialli ou Ravenelli para desespero e surpresa dos presentes.
No final, e cumprindo uma secular tradição italiana, não houve direito aos tradicionais apertos de mão, mas sim a um andar acabrunhado enquanto se vocifera em dialecto da Calábria ou uma qualquer outra zona que produza vinho espumante.
Se o intrépido jovem italiano continuar a vir cá até me ganhar, acho que tenho o negócio mais ou menos garantido pelos próximos tempos.
Grazie mile!

domingo, 21 de novembro de 2010

Gosh bless America

Depois de me ter amigado de forma facebookiana de uns catitas americanos que por aqui passaram (os tais do Nabokov e Tarantino), resolvi partilhar a tipicamente francesa "Putain Bordel de Merde" numa questão de mera ajuda cultural a uma pobre rapariga que demonstrou verdadeira preocupação por ir a Paris e não falar francês.
Claro está que a menina não percebeu o que queria dizer e eu fiz questão de traduzir de forma a que o percebesse quando os franceses lho atirassem à cara depois de um belo repasto no McDonalds.
Uma vez feito, dei com o seguinte comentário da senhora sua mãe nesse tal mesmo de facebook:
"Hey, let's keep it clean, we have children and ladies reading our pages."
Depois de ter controlado o meu riso desbragado, resolvi esquematizar mentalmente uma série de coisas que nada têm que ver com nada:

1) a referida expressão foi-me ensinada por uma jovem francesa com quem partilhei casa em Southampton e que a dizia mais que amiúde
2) clean???? puritanos de um raio! wtf is clean?
3) pensei responder de forma imediata com alguma referência à falta de capacidade de encaixe e à hipocrisia generalizada nos EUA onde se dizem coisas tão belas e épicas como "the f**** word"
4) ah, e pôr um qualquer vídeo do South Park
5) pôr, pura e simplesmente, LOL

Mas nada disto fiz, tendo aguentado este meu espírito semi-valdevino, respondendo de forma educada:

"Dear Jeannette,

I'm terribly sorry for the swearwords, but do believe me things work quite differently in Europe and it was not meant to be offensive.
"

Confesso que até eu fiquei impressionado com tamanha demonstração de boa educação, mas temi que a americana jr fosse recambiada para os Estados Unidos por conhecer pessoas de tão terrível índole como este estalajadeiro que vos escreve.
Mas não fiquei tão impressionado quanto com a resposta subsequente da tal de Jeannette:

"Thank you, I appreciate the apology, but swear words are offensive, no two ways about it."

Gosto particularmente da abertura mental desta senhora. Quando quiser instaurar um governo ditatorial em Portugal, já sei quem hei-de chamar para Ministra do Bem Público, que substituirá de forma eficaz o Ministério da Saúde, da Educação e da Administração Pública, assim reduzindo os custos orçamentais. Ah, e dar-lhe-ei igualmente um simpático tempo de antena, substituindo o Marcelo Rebelo de Sousa e o Miguel Sousa Tavares, onde poderá falar com um simpático sorriso à Sarah Palin sobre a correcta postura dos cidadãos portugueses.
Haja decência, é o que vos digo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

De modas e modos

Deverá existir um qualquer ditado que nos põe de sobreaviso quando recebemos um telefonema de pessoas demasiado simpáticas que nos tratam de forma reverencial.
E assim fiquei no outro dia. Resulta que eram pessoas de uma seguradora a tentarem impingir sabe Deus o quê relacionado com saúde e higiene no trabalho.
Sendo que tomo banho bastante amiúde, não vi razões porque temer.
Mas aparentemente quem temeu foi uma mocita dos seus vinte e qualquer coisa anos e de acentuado sotaque coimbrão que, desde logo, passou ao ataque descrevendo um sem número de coimas e maldições eternas por desrespeito e falta de fé.
Claro está que tudo isto terminou num belo e claro "Então, assina?"
Não assinei.
Fazendo usufruto destas novas tecnologias da internet, pus-me em rápido contacto com quem de direito e cedo percebi que tamanhas ameaças não tinham razão de ser e que tomar banho amiúde bastava.
Quando liguei a comunicar esta brilhante verdade universal à roliça menina, assim me dispensando de gastar um dinheiro despropositado, fui brindado com um: "Então a que horas quer que passe por aí para assinarmos?"
Eu cá não sei, mas suspeito até agora que ela não percebeu o que lhe disse.
Seja como for, o encontro não se realizou, pois acabei por usar a cimeira da Nato como desculpa, que sempre é uma coisa que está na moda.

sábado, 13 de novembro de 2010

Quão assustadora pode ser a limpeza de um frigorífico?

Sei que poderá ser uma questão aparentemente simples, mas acreditem que de onde vos escrevo, é tudo menos isso.
O sentimento verdadeiramente altruísta que muito boa gente tem de achar que 2 tomates cherry poderão dar jeito a alguém ou que um resto de sumo invisível ao humano olho poderá matar a sede de todos os que se aventuram a subir até à Graça em dias de maior calor vai-se deteriorando até ao simples desleixo de deixar pacotes de saladas por abrir ou, pura e simplesmente, embalagens vazias.
Por muito desagradável que tudo isto seja, teremos que contar com a cumplicidade de todos os que não se importam e não comentam que os seus legumes estejam prestes a ser devorados de forma canibal por maioneses que foram trazidas para vida através de uma longa e saturada maturação. E isto para não falar em catranhurros que fazem os inspectores da ASAE parecerem playmobis e que fazem o processo de mutação das tartarugas ninja parecer coisa de meninos.
Uma vez equipado com luvas até ao pescoço e de cif power cream na mão (já que não se deve esquecer o meu diminuto olfacto) eis que, de tempos a tempos me lanço ao ataque de forma impiedosa.
Hoje foi dia disso. Amanhã não o será. E isso e só isso é que me faz sorrir no momento em que vos escrevo.