quarta-feira, 16 de maio de 2018

Racismo?

Hoje proponho-me a falar sobre um dos mais complicados temas que de tempos a tempos me assalta por estas terras germânicas: o racismo.
Existe? Não existe? Como são os alemães em relação aos estrangeiros?
De certa forma sinto que estas perguntas já me foram colocadas por amigos portugueses e espanhóis por diversas vezes e que em muitas delas acabo por me esquivar em comentários politicamente correctos e inconcretos. Contudo, as recentes declarações do líder do FDP*, Christian Lindner, despertaram em mim velhas questões que agora procurarei clarificar:

Os alemães, em geral, não são racistas. Ou pelo menos aqueles que conheço e com quem privo diariamente, o que não pode ser tido em conta como um dado fidedigno de representação da sociedade como um todo.
Mas há excepções e gostaria de clarificar dois tipos de racismo:

1- Um mais evidente presente nas pessoas que escolhem votar em partidos de extrema direita como o NPD ou até mesmo o polémico AFD que até já tem representação no Parlamento. Há casos de violência extrema como aconteceu recentemente em Magdeburgo onde um homem lançou um cão de ataque contra uma família de refugiados ou os incontáveis casos de ataques a casas de acolhimento de refugiados um pouco por toda a Alemanha. A nível do quotidiano em Hamburgo tenho apenas a referir alguns palavrões provenientes de velhos caquéticos que de tempos a tempos lançam um Scheissauländer (estrangeiro de merda) mas que em nada ameaçam a minha integridade.

2- O mais recorrente dos racismos é um que se baseia num sentimento geral de ignorância sobre o outro que acaba por revelar um desconhecimento de si mesmo.
E aqui é onde entra o senhor Lindner com o seu comentário: ao apresentar estereótipos irreflectidos provocou uma onda de indignação na comunicação social, mas que lamentavelmente reflecte o pensar de uma boa parte da população local. De tudo o que tenho ouvido nestes últimos cinco anos e meio que aqui vivo, destaco três casos para ajudar a perceber de como nos pode ocorrer a qualquer momento:

a) Na inscrição para um curso de alemão a secretária da escola informa-me que o curso não tem validade para a obtenção de visto de residência na Alemanha. Prontifico-me então a explicar-lhe que Portugal faz parte da UE e que, tal como os alemães que vivem em Portugal, não preciso de tal coisa. Ela responde-me um seco "Trotzdem" que se poderia traduzir como um "Como queiras".

b) Numa escola onde trabalhei discutia-se a estrutura das AECs que tinham acabado de ser inauguradas como super plano inovador. Pensei então que poderia dar a minha opinião pois trabalhei no longínquo ano de 2005 no primeiro ano de tal aventura por terras lusas e em 2007 elaborei um plano de leitura para todas as escolas do concelho de Grândola, sentindo então que teria uma opinião válida sobre o assunto. Depressa me responderam que em Portugal existiria talvez outra coisa que não o que ali tentavam implementar. Quando falei sobre isto com uma amiga francesa que também estava a trabalhar nas AECs locais, disse-me que o mesmo tinha acontecido com ela e que a tinham excluído de todo o planeamento.

c) Quando digo que sou português, muitas vezes as pessoas referem emocionadas as experiências que viveram em Espanha ou em Itália pois afinal os "Sudländer" (termo utilizado para descrever as pessoas originárias do sul da Europa) são um género de entidade única e indivisível e que sempre se comportam da mesma maneira. Quando tento estabelecer um contraste entre a melancolia portuguesa e o euforismo espanhol ou a expressividade italiana, costumo receber olhares de "Ach ja" (claro, claro) e logo continuam a descrever os virtuosismos dos Mojitos que se podem beber em Maiorca. 


Mas estes casos acontecem igualmente entre alemães dentro da Alemanha pois os habitantes da antiga Alemanha de Leste ainda são apelidados de Ossies (que ousaria traduzir como "Lésticos"), da mesma maneira que os habitantes de Hamburgo são os "Fischkopf" (cabeças de peixe).
Posso então concluir que os alemães adoram gavetas onde possam enfiar todos aqueles que são diferentes de si mesmos e que, por sorte, costumo lidar com pessoas que aboliram tais sistemas e para quem o ser humano é algo mais complexo que ultrapassa fronteiras ou sistemas de catalogação.
E isso dá-me esperança que cada vez mais pessoas sejam assim. E já seria bem bom.


* Lindner considerou incorrecto as pessoas reagirem negativamente à cor da pele de quem nos vende o pão, mas percebe e aceita que as pessoas temam quando alguém fala alemão de forma incorrecta, tal como quando se deparam com um Nazi, um violador ou um adepto do Hamburgo.