quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Tres cousas em torno do acto da leitura

1- Corria o ano de 1999 quando na primeira aula de Portugues A do 12 ano o professor Tavares, no seu estilo único, revelou a um grupo de adolescentes que variavam entre os sonhadores e os desiludidos que em países civilizados como a Inglaterra era mais barato acender uma lareira com livros do que com carvao. Na altura o grupo de sonhadores ficou indignado e mostrou-se algo relutante em aceitar esta informacao, tomando-a como mera atitude provocatória. Em 2004, estando eu em Southampton, comprei uma mao cheia de livros do David Lodge por 1 penny cada. Oportunidade imperdível, pensei na altura. Mas cedo o entusiasmo que senti se viu invadido pela sombra das palavras que me tinham sido ditas cinco anos antes. 1 penny é um preco verdadeiramente imbatível! Muito mais barato que o carvao ou pura madeira, confere. No meu caso, li os livros e ainda os tenho na minha posse, estimando-os como a todos os que, de uma maneira ou outra, marcaram a minha evolucao enquanto leitor e, de certa forma, como pessoa.
Em Hamburgo, a biblioteca central, centro impressionante de uma gama de livros constantemente actualizada, vende os livros descatalogados a 1€, sendo que é frequente oferecerem um ou outro para tornar as contas mais fáceis. 13 por 10€ ou 7 por 5€.
Viver em Altona significa também que num normal passeio pelo bairro se podem encontrar caixas cheias de livros com um singelo "Oferta" lá escrito.  Confesso que nunca resisto e sempre vou dar uma espreitadela. Clássicos. Álbuns ilustrados para criancas. Livros em ingles. Novidades. Gracas a estas ofertas já consegui descobrir autores (Yadé Kara, por exemplo) de quem agora albergo as obras com carinho junto às do David Lodge, entre tantas outras. Contudo, nao deixa de ser chocante pensar que houve pessoas que os escreveram. Que dedicaram trabalho e dedicacao à criacao de um produto que tem um fim quase tao indigno como as beatas dos cigarros, produzidas por meros automatismos. Talvez por isso mesmo me vá sentindo cada vez mais constrangido a escrever sempre que o fim visa a publicacao. Contudo, continuo afincadamente a proporcionar abrigo à maioria dos desalojados que vou encontrando.

2-
No outro dia fui chamado à atencao por um elemento de uma das escolas onde trabalho que nao poderia ler nas pausas dentro do recinto escolar. Dá mau aspecto, disseram-me. Se o quisesse fazer, que saísse da escola e procurasse um recanto para o fazer. Já quando os funcionários utilizam o telemóvel nas mais bizarras situacoes, nada há a recriminar. Como menino obediente que sou, assenti e vejo-me agora, qual fumador inverterado, a procurar um recanto por trás de um enorme edifício social que ladeia a escola e onde há um banco com os restos de mortalhas da noite anterior, a fim de poder continuar a usufruir deste meu prazer que tantas vezes se confunde com o vício.
Ah, o feliz prazer de continuar a ser um rebelde tantos anos depois de ocupar parte do meu tempo lectivo a ler coisas que nada tinham que ver com a escola! Bom ter alguém que ainda me faca sentir jovem nos dias que correm!

3-
A fim de tentar por ordem no meu caos organizativo, dscobri recentemente a app "My Library" que, através da introducao do ISBN nos oferece uma ficha completa dos livros, fazendo-me recuperar a alegria de voltar a catalogar num eterno regresso às origens, provando a mim mesmo que uma vez tendo trabalhado numa biblioteca, o bichinho fica dentro de nós para sempre.