quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Por estas e por outras razoes nem tive vontade de comecar este artigo com maiúscula.

e de repente comeca o ano sem que uma pessoa sequer se consiga aperceber de tudo o que de repente nos cai em cima. Nao falo do fogo de artifício que os alemaes lancam de forma selvagem na passagem de ano em competicoes selvagens de poder económico com o vizinho.
Falo dos nomes que de repente surgem no horizonte e que cinzentam a minha mente mais ainda do que o céu de Hamburgo. PEGIDA, Charlie Hebdo e o Syriza entre outros tem deixado pouco espaco para acreditar que haverá algo de bom a acontecer num futuro próximo.
Slogans como "Mais batatas e menos kebabs" nas demonstracoes da PEGIDA deixam-me apreensivo. Mas mais me deixa o aperceber-me de que logo se tentam defender do que chamam conspiracao política e pública de os apelidarem de nazis e de os quererem marginalizar na cena social. O facto de ser um movimento que teve o seu início em Dresden está bem longe de ser inocente. O desejo do AfD querer trabalhar juntamente com eles muito menos o é. Nazi talvez seja uma palavra demasiado forte, mas tenho a certeza de que algo de novo está a surgir e isso assusta-me.
Os comentários imediatos após os ataques de Paris nao foram, infelizmente, surpreendentes. assim como também nao o foram os ataques de menor dimensao que se seguiram contra centros islamicos espalhados em Franca, um pouco à semelhanca do que aconteceu no pós-11 de Setembro nos Estados Unidos.
 Mas é sobretudo a nível dos comentários que surge parte da minha actual apreensao. A PEGIDA comenta de forma mais ou menos impune os ataques em Paris com teores racistas. A Comissao Europeia na figura do seu presidente critica a possível escolha de milhoes de gregos nas próximas eleicoes. A senhora Merkel continua a comentar as decisoes políticas dos países do sul da Europa como se do seu quintal se tratasse. 
Tudo isto em nome de valores e uma ordem que ninguém percebe bem qual é. E é em nome dessa mesma qualquer coisa que sinto que as nossas liberdades pessoais estao a comecar a ser cada vez mais limitadas e isso cinzenta-me os horizontes.
Mas se a mim me cinzenta suspeito que enraiveca muitas outras pessoas e que mais coisas acontecam, originando ainda mais comentários infelizes numa espiral que poderá nao ter bom fim, se por acaso a um fim se poderá chegar.
Por estas e por outras razoes nem tive vontade de comecar este artigo com maiúscula.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Gubin/Guben oder so

Em tempos tive a ambicao de escrever um pequeno conto sobre uma povoacao dividida entre dois países. Comecei, escrevi algumas linhas. Corrigi. Recorrigi. A ideia perseguiu-me de forma obsessiva chegando mesmo a causar-me insónias. As palavras que escrevia pareciam nunca conseguir exprimir o que sentia e, como sempre acontece nestes casos, acabei por o deixar cair entre raiva e frustracao, continuando, aqui e ali, a ser invadido por esta ideia.
Mas como acontece com todas as paixoes que assolapam a minha alma, tempo chegou em que a detestei, julguei tonta e incapaz de ser concretizada.
Numa recente deslocacao a Cottbus em visita a amigos, fui conduzido a uma pequena cidade na fronteira com a Polónia, de seu nome Guben. Ah e tal, tenho que ir trabalhar, dá uma volta por aí e encontramo-nos daqui a duas horas, disseram-me. Meia hora de deambulacao chegou para me aperceber de onde estava. Uma cidade, dois países, uma fronteira, tres línguas oficiais. De um lado do rio, Guben. Do outro, Gubin. De um lado Alemanha. Do outro Polónia. De um lado lojas com artigos de marca. Do outro um mercado de rua onde sou abordado a cada minuto por senhoras que me perguntam se quero comprar tabaco. Em ambos os lados uma  melancólica rivalidade de quem espera por dias que já nao voltam e que a Uniao Europeia também nao logrou esbater totalmente.
A abertura da fronteira nao conseguiu esconder as óbvias diferencas entre os dois lados e o regresso a uma única cidade é hoje uma miragem tao distante como a que em tempos me invadiu e também nunca se concretizou.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

España, variação do tema de Jorge Sousa Braga




España
Yo tengo treinta y dos años y a veces me haces sentir como si tuviera quinientos
Que culpa tuve yo de que Cortés se fuera a las Américas a matar índios y volviera con un hijo de Doña Marina en los brazos
Casi creo que es todo mentira
Que los Reyes Católicos son una invención de Walt Disney
Y que el monumento a los caídos es una construcción de Lego
España
No imaginas como me siento cachondo cuando escucho la Marcha Real
(que me perdonen los más sensibles obispos de la gran España)
Ayer estuve jugando al póker con Unamuno
Sigue por el Conxo
Le dieron unos electro-choques y está recuperando
Excepto el facto que ahora me intenta convencer de que a Ibéria le espera un futuro de rosas
España
Un día me cerré en la Giralda a ver si cogía la fiebre del imperio
Pero lo único que me pasó fue un estreñimiento
Un día me fui a buscar los huesos de Cervantes
Pero lo único que encontré fue betón
España
Voy a contarte un cosa que nunca conté a nadie
¿Sabes?
Estoy locamente enamorado de tí

y me pregunto a mí mismo
como me pude enamorarme de un viejo decrépito y tonto como tú
pero que tiene el corazón dulce, aún más dulce que los turrones de Alicante
y tiene el cuerpo lleno de puntos negros para poder apretar como me dé la gana
España, ¿me estás escuchando?
Yo nací en 1982.
Felipe González estaba en el poder. No tengo resentimientos.
Aznar estuvo en el poder. No tengo resentimientos.
Nos fuimos a matar gente en Irak. No tengo resentimientos.
Un día bebí vinagre. No tengo resentimientos.
Vi a mis amigos marcharse fuera de España porque no conseguían curro,
Vi a chinos a vender cerveza en las calles de Barcelona,
Vi a España a ganar la copa del mundo y bajar en todos los niveles de calidad de vida,
Y así mismo,
No tengo resentimientos.
España,
¿Sabes de qué color son mis ojos?
Marrones, como los de mi madre
España
Me encantaría besarte muy apasionadamente
En la boca

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Insensatez



- Insensatez.
- Como assim?
- Insensatez,  foi o que ele disse.
- Assim sem mais nem menos que nem o...
- Pois, que nem o padre João Carlos.  Assim de forte, filha.
- Valha-nos Deus que não sei onde é que este mundo vai parar.
Na vila de Meandros não se precisou de muito tempo para se espalhar a notícia de que o pequeno João Inácio,  filho de Maria de Freitas e de Joaquim Inácio, donos da mercearia local onde os homens se faziam esquecer das durezas do quotidiano em fins de tarde regados com vinho a martelo, padecia de enfermidade tal que ninguém poderia imaginar qual a melhor solução para curar a pobre criança.  Ao sofrimento desmedido de Maria de Freitas expresso de forma convicta no acender de velas no altar de Santa Bárbara e de um copo de bagaço a embalar o chá da manhã,  contrastou a decisão firme do Joaquim Inácio de enviar o pequeno João para o Colégio Militar para que se fizesse homem. Esta coisa da insensatez era um mal que tinha que ser arrancado pela raiz antes que se tornasse numa epidemia social, vociferou o Joaquim enquanto abria a terceira garrafa de uísque em dia de jogo do Benfica. Menos mal que os encarnados ganharam poupando Maria de Freitas aos habituais arrufos da derrota. O amor sempre assume formas que o coração desconhece.
Já o pobre João Inácio parecia não se inteirar do que zoava à sua volta. A vila parecia-lhe mais calma do que nunca, o que não deixava de ser mau sinal. Tal como no mar, demasiada calmia só poderia ser sinal de tempestade para vir. Por isso ocupava os dias desse fim de Setembro em passeios pelos campos dourados a contemplar a sensibilidade agressiva dos cardos secos ou a forma como as folhas das azinheiras se dobravam ao sol impiedoso. A escola era ainda uma realidade distante, difusa nas experiências de mais um verão onde a solidão o tinha voltado a abraçar como só os bons amigos o fazem.
E foi nesse fim de verão que Maria de Freitas o levou ao médico que uma vez a cada quinze dias ocupava a cadeira do Posto Médico para cumprir os exames de rotina,  não fosse ele estar a parir sarampo ou maleita semelhante. Preocupada com os silêncios cada vez maiores do seu único filho e herdeiro total não só da mercearia como de três hectares de oliveiras galegas e sete de vinhedos de boa e reconhecida fama, acabou por ganhar coragem para perguntar se o seu filho sofria dessa doença que o século XXI tinha trazido e que fazia os homens beijarem homens e adoptarem comportamentos iguais aos dos cães que nem sempre olham à diferença de sexo para satisfazerem os seus ímpetos.
- Oh minha senhora, isso é pura insensatez.
Remetida ao silêncio condoido que estas situações implicam, não conseguiu controlar que a sua cabeça se enchesse de imagens do padre João Carlos condenado por herege face à insensatez dos seus actos. Ter negado o privilégio de beijar a mais convicta das crentes, aquela que nunca olhou a meios para apoiar as iniciativas paroquiais, aquela que nunca lhe negou um garrafão de vinho para que também ele pudesse, à semelhança dos homens que frequentavam a mercearia, esquecer-se das durezas do quotidiano, tinha sido demasiado. Após diversas cartas anónimas a denunciarem o comportamento desviante de um homem de Deus que via na imagem de Cristo a perfeição sexual, o padre João Carlos tinha sido vítima de um doloroso e moroso processo de excomunhão.
Mas a vida tem coisas e voltas do diabo, pensou Maria de Freitas depois do diagnóstico do médico. 
Não foi, por isso, de espantar que nessa mesma semana o João Inácio tivesse sido alvejado pelas costas durante um dos seus rotineiros passeios de fim de verão pelos campos que rodeavam a vila de Meandros. À noite os homens beberam ainda mais para acompanhar a dor de um pai que tudo tinha feito pelo seu filho, enquanto Maria de Freitas sentada sozinha na sala contígua ao café embalava uma caneca de  chá de cidreira com dose dupla de bagaço e ouvia o choro furioso do seu marido, relembrando ternamente  o momento fugaz do beijo que conseguiu roubar ao padre João Carlos.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

vício de mãos

Se há coisa horrível, temível, capaz de criar pesadelos nas mais inocentes crianças destas terras germânicas e arredores é a questão da perda de tempo. A inutilidade é algo que é combatido desde a mais tenra idade sem qualquer tipo de pudor pelas teorias poéticas do Manoel de Barros. As companhias de seguros recusam-se terminantemente a garantir a segurança de todos os que são com frequência apanhados com olhos líricos perdidos num qualquer ponto de espaço. Se nos encontramos perdidos em pensamentos é recomendado que o façamos de forma séria como quem resolve uma complicada equação matemática que nos garanta, pelo menos, um nobel da economia.
Mas é claro que vos descrevo uma situação hipotética pois mesmo os autóctones se deixam levar por mais elevados pensamentos que não nos levam a lado nenhum, incorrendo em pecados capitais condenados pelos mais diversos sectores da sociedade. Contudo a imagem ibérica do senhor de chapéu na cabeça e mãos nos bolsos em dias de sol é coisa por aqui pouco vista, sendo substituída por pessoas que não sabem o que fazer com as mãos. Podendo ser chato ter mãos, é infinitamente mais chato não saber o que fazer com elas. Daí haver um número considerável de pessoas que enchem as mãos com cigarros e telemóveis impondo um ar de quem aproveita o sinal vermelho de uma passadeira para responderem de forma positiva aos anúncios de cada estação de metro ou consultarem as últimas novidades de amigos e conhecidos que, como eles, também estarão a aproveitar os tempos mortos da vida activa e real para matarem este vício de mãos que é infligido e aflige os locais desde a mais tenra idade.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Da hanseática experiencia laboral

Uma semana com o S. Um telefonema, nova experiencia numa outra escola, desta feita a acompanhar as actividades de tempos livres da gaiatagem. Enfrentar a burocracia alema a fim de obter um cadastro, receber um contrato e a informacao de que já nao precisavam mais de mim, definindo a minha experiencia laboral como "nett" ou seja, simpática. Nova entrevista de emprego, proposta de novos desafios numa outra escola, contrato mais aliciante.
Do meu anterior empregador ficou-me um gosto amargo da minha primeira experiencia com empresas alemas. Depois de nao me terem dado qualquer tipo de razao para ser dispensado, felicitaram-me pelo novo emprego e pediram que lhes escrevesse uma carta a pedir desculpa pelo facto de renunciar ao contrato recentemente celebrado invocando o novo trabalho enquanto motivo da minha desistencia. Se até aqui tudo me tinha parecido estranho, a partir deste momento comecou a assumir contornos de irregularidade. Disse que nao o faria. Que escreveria a descrever o seguimento de acontecimentos. Ao falar com um vizinho do tasco ligado ao ensino germanico nos últimos cinquenta anos, ele cedo se prontificou a escrever-lhes a questionar a ética profissional e pedagógica. Sentir-me acompanhado e querido nestas terras que ainda me sao, de certa forma, estranhas fez com que o sol saisse e iluminasse estas terras hanseáticas, iluminando igualmente a minha alma e fazendo crescer no meu peito o imenso desejo de fazer mais, muito mais e, porventura, melhor. 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O email que porventura nunca irá ter resposta

(...)
Chegou ontem o programa das Palavras Andarilhas 2014. É uma pena que não possas estar :(
Vai dando notícias, Pedrito.
beijinhos
Lena
 
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Querida Lena,
vou dando notícias, sim. 
Sabendo tu que às vezes sou um caos de mim mesmo, o tempo que te levo a responder é sempre variável. E nem poderia ser de outra maneira. Caso contrário seria aborrecido. Mas deixa-me que te diga que o nosso "recontacto" tem sido bom e até que as tuas palavras tem conseguido trazer um pouco mais de sol neste canto do norte onde estou.
É também com bastante pena que nao irei estar nas Andarilhas, mas como comecei a trabalhar numa escola é-me complicado viajar agora. Seria bom poder-te rever na cidade onde os contos se encontram e onde nos temos vindo a reencontrar amiúde.Quase acho que nos encontramos mais vezes em Beja do que em Lisboa ;)
Muito me alegra igualmente que tenha tudo resultado bem com a Carla. Ela é uma pessoa especial e creio que irá ser uma boa experiencia, para alémd o facto de que é sempre bom participar em primeiras edicoes de festivais. Uma pessoa torna-se automaticamente num género de ícone ou personagem mitológica. Ficarás na história, é o que é!
Mas já me contarás novas! Manda um beijinho meu à Carla e a todas as pessoas com quem te irás cruzar em Beja e que, de certa forma, me fazem falta nestes dias cinzentoes de Hamburgo.
Até já!

Pedro


(Pouco tempo depois de te ter enviado este mail soube pelo facebook que tinhas morrido, pelo que talvez nao espere resposta às minhas palavras. Ou talvez sim. Estou certo de que já me contarás novas porque isto há dias e dias e hoje sinto particularmente a tua falta. Um beijinho)