O termómetro virtual do accuweather que me dá as boas vindas sempre que ligo o tablet anuncia de forma impassível e sarcástica -4º. Sinto um arrepio um pouco ainda maior quando vejo um pouco mais abaixo um outro valor de -8º precedido de um Real Feel.
Confessando-me desde já como um verdadeiro nabo da coisa, procedi a uma investigação apurada de horas e horas até descobrir que aquele Real Feel correspondia a uma cuidada avaliação de outros elementos como o vento, a humidade e o raio que os parta que condicionam a nossa percepção do tempo. Sorri e senti-me um pequeno conquistador dos Himalaias.
Numa atitude de puro masoquismo, resolvi ver quanto estava em Lisboa. 11º. Desliguei o tablet e fui fazer a quinta litrosa de chá do dia, pensando que tamanhas temperaturas não são, definitivamente, propícias à prática do futebol.
Contudo, este frio é mais que propício à prática da língua alemã. Aliás, já Nietszche o diria. E Schoppenhauer. E o Gunter Grass. E a Merkel. Se o Oliver Kahn soubesse falar como uma pessoa também o afirmaria sem titubear.
Por falar em Merkel e em resposta a todos os amigos que me pediram que lhe desse um "recadinho" lusitano, podem acreditar que assim que conseguir largar a minha dependência de bebidas quentes (chá, café e um tal de Gluhwein de encantos tamanhos) fá-lo-ei.
Lá para Maio ou Junho, portanto.
Um grande bem haja e sorte e Neno.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012
sábado, 8 de setembro de 2012
Sexo hosteleiro
Uma das perguntas que mais vezes me fazem sobre estas minhas actividades hosteleiras prende-se, claro está, sobre o sempre politicamente incorrecto e fascinante tema do sexo.
Seguindo-se à pergunta de "corre bem o negócio", sempre há olhares marotos dos mais diversos interlocutores que, olhando sempre em redor, me perguntam sobre estórias mais escabrosas esperando que lhes descreva de forma fiel as graduações dos gemidos produzidos por alemãs, coreanas e norte-americanas de origem hispânica aquando da prática sexual.
Embora talvez tenha conhecimento de uma ou outra coisa que poderão ser reveladas mediante um adequado pagamento, a verdade é que o que mais comumente que salta à cabeça é a figura bizarra de um amável troglodita irlandês de cabelo deslavado e dentes tortos que tendo ficado no sacrossanto quarto de 4 com mais dois paquidermes alemães que rivalizavam com o Bob Marley na coleção de especimens estranhos no couro cabeludo e seu consequente cheiro e uma simpática rapariga que nunca lhe deu grande resposta a todos os seus intentos socializantes, resolveu, na crítica deixada ao hostel escrever algo como: Não sei se a rapariga que dormiu no quarto se sentiu muito confortável por ter três homens a partilhar o mesmo espaço.
Embora tenha sentido vontade de responder algo jocoso envolvendo a igreja católica irlandesa, não o fiz por um questão de decoro ( e porque o hostelbookers mo proíbe sob ameaça de rescisão de contrato).
Mais recentemente recebi uma família norte-americana onde o generoso pater familias se recusou a ficar no hostel pois tinha medo da filha de 16 anos. Neste caso teriam que partilhar quarto com um casal canadiano. Tranquilizei-o dizendo que o casal não estaria particularmente interessado em aventuras estranhas envolvendo o Bryan Adams, a Céline Dion e outros ícones da cultura canadiana.
Mas de nada serviu, repetindo ad nauseum à frente da pobre miúda que tinha medo que alguém tentasse algo de indecoroso com ela. Ela, bastante corada e não tendo coragem de levantar os olhos do ipad onde procurava outro sítio para ficarem, ouvia tudo com o ar de que se apronta para esfaquear o pai. Ainda estive para advertir o pai que ele deveria temer mais pela filha que pelos outros hóspedes.
A verdade é que assim cresce em mim a esperança de um novo puritanismo que um dia regule e reja este mundo em que vivemos.
Seguindo-se à pergunta de "corre bem o negócio", sempre há olhares marotos dos mais diversos interlocutores que, olhando sempre em redor, me perguntam sobre estórias mais escabrosas esperando que lhes descreva de forma fiel as graduações dos gemidos produzidos por alemãs, coreanas e norte-americanas de origem hispânica aquando da prática sexual.
Embora talvez tenha conhecimento de uma ou outra coisa que poderão ser reveladas mediante um adequado pagamento, a verdade é que o que mais comumente que salta à cabeça é a figura bizarra de um amável troglodita irlandês de cabelo deslavado e dentes tortos que tendo ficado no sacrossanto quarto de 4 com mais dois paquidermes alemães que rivalizavam com o Bob Marley na coleção de especimens estranhos no couro cabeludo e seu consequente cheiro e uma simpática rapariga que nunca lhe deu grande resposta a todos os seus intentos socializantes, resolveu, na crítica deixada ao hostel escrever algo como: Não sei se a rapariga que dormiu no quarto se sentiu muito confortável por ter três homens a partilhar o mesmo espaço.
Embora tenha sentido vontade de responder algo jocoso envolvendo a igreja católica irlandesa, não o fiz por um questão de decoro ( e porque o hostelbookers mo proíbe sob ameaça de rescisão de contrato).
Mais recentemente recebi uma família norte-americana onde o generoso pater familias se recusou a ficar no hostel pois tinha medo da filha de 16 anos. Neste caso teriam que partilhar quarto com um casal canadiano. Tranquilizei-o dizendo que o casal não estaria particularmente interessado em aventuras estranhas envolvendo o Bryan Adams, a Céline Dion e outros ícones da cultura canadiana.
Mas de nada serviu, repetindo ad nauseum à frente da pobre miúda que tinha medo que alguém tentasse algo de indecoroso com ela. Ela, bastante corada e não tendo coragem de levantar os olhos do ipad onde procurava outro sítio para ficarem, ouvia tudo com o ar de que se apronta para esfaquear o pai. Ainda estive para advertir o pai que ele deveria temer mais pela filha que pelos outros hóspedes.
A verdade é que assim cresce em mim a esperança de um novo puritanismo que um dia regule e reja este mundo em que vivemos.
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Do ronco espiritual
Um dos horrores de todas estas gentes que frequentam os hostels é o ronco.
Dormir no quarto com um roncador que possua uns pulmões de fazer inveja ao Joaquim Agostinho é cenário digno do mais pesadelístico filme de terror.
E foi digno de filme de terror a forma como ontem acordei julgando que um tubo da cozinha se tinha roto. Onde é que vou arranjar um canalizador às três da manhã, pensei, aflito. Saio do quarto qual bombeiro sapador quando eis que me deparo com um francês a dormir no sofá da sala ao mesmo tempo que produzia um ronco tenebroso e delicadezas musicais de fazer inveja ao Stockhausen.
Também franceses eram os dois moços que no outro dia encontrei a dormir em torno dos matraquilhos. Logo me senti culpado de os ter esmagado sem dó nem piedade no dia anterior, obrigando-os a prestar vassalagem nocturna para se redimirem dos seus pecados. Depois de devidamente identificados através de um sofisticado sistema de fotografia, lá acordaram, queixando-se dos roncos de um colega de quarto, que os levou a abandonar o quarto e tentar a sala. Sendo que na sala ainda se ouvia, resolveram ir para a entrada do hostel dormir no chão aconchegados pelo calor sensual das pernas dos matrecos.
Mas, seja como for, nunca ninguém baterá o famoso belga que se ouvia por todo o hostel e que fazia reverberar ao de leve as janelas do quarto onde dormia.
Mas isso já são outras calendas...
Dormir no quarto com um roncador que possua uns pulmões de fazer inveja ao Joaquim Agostinho é cenário digno do mais pesadelístico filme de terror.
E foi digno de filme de terror a forma como ontem acordei julgando que um tubo da cozinha se tinha roto. Onde é que vou arranjar um canalizador às três da manhã, pensei, aflito. Saio do quarto qual bombeiro sapador quando eis que me deparo com um francês a dormir no sofá da sala ao mesmo tempo que produzia um ronco tenebroso e delicadezas musicais de fazer inveja ao Stockhausen.
Também franceses eram os dois moços que no outro dia encontrei a dormir em torno dos matraquilhos. Logo me senti culpado de os ter esmagado sem dó nem piedade no dia anterior, obrigando-os a prestar vassalagem nocturna para se redimirem dos seus pecados. Depois de devidamente identificados através de um sofisticado sistema de fotografia, lá acordaram, queixando-se dos roncos de um colega de quarto, que os levou a abandonar o quarto e tentar a sala. Sendo que na sala ainda se ouvia, resolveram ir para a entrada do hostel dormir no chão aconchegados pelo calor sensual das pernas dos matrecos.
Mas, seja como for, nunca ninguém baterá o famoso belga que se ouvia por todo o hostel e que fazia reverberar ao de leve as janelas do quarto onde dormia.
Mas isso já são outras calendas...
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Ido definitivamente o senhor do Olá com as seus eternas e resplandecentes saudações a toda a comunidade hosteleira, regressou a senhora que com ele se viu de razões num post bem recente.
Voltou e ah, se voltou.
Vendo-a debruçada sobre o computador qual Mr Magoo a conduzir, pedi-lhe educadamente que fosse útil à sociedade e pusesse música para alegrar os espíritos daqueles que limpavam o hostel (eu, entenda-se).
E assim fez.
Led Zeppelin. Rolling Stones.Beatles. Tudo bem até ao momento em que resolveu pôr Marianne Faithfull.
Senti que o inferno estava calmamente a revelar-se.
De repente o hostel começou a reunir curiosos que saídos dos seus quartos se abeiravam do computador, armando-se em verdadeiros dj's profissionais do youtube, fazendo inveja a muito bar que para aí anda.
Mas esta inveja foi relativa. Depois de uma verdadeira britomania (até os Oasis soaram Deus meu) que quase me fizeram trautear, eis que se assoma um mocinho de Malta, com cara de ressaca de quem passou três dias num festival e uma noite no Bairro Alto e resolve pôr música com leve batida, também conhecida como música de gogonhanhas em alguns restritos meios desta nossa sociedade.
Estando eu já a pensar numa qualquer piada inofensiva sobre a música, eis que vejo a brava cinquentona chegar ao pé dele e perguntar com a característica fleuma britânica: Can I take your shitty music off?
Perante o espanto assustado do mocilaime pôs Lou Reed para toda a vizinhança enquanto dançava e gritava que ainda se lembrava de como era ele charmoso há uns anos atrás quando ela era jovem.
E assim se impõe o respeito.
O meu muito obrigado.
Voltou e ah, se voltou.
Vendo-a debruçada sobre o computador qual Mr Magoo a conduzir, pedi-lhe educadamente que fosse útil à sociedade e pusesse música para alegrar os espíritos daqueles que limpavam o hostel (eu, entenda-se).
E assim fez.
Led Zeppelin. Rolling Stones.Beatles. Tudo bem até ao momento em que resolveu pôr Marianne Faithfull.
Senti que o inferno estava calmamente a revelar-se.
De repente o hostel começou a reunir curiosos que saídos dos seus quartos se abeiravam do computador, armando-se em verdadeiros dj's profissionais do youtube, fazendo inveja a muito bar que para aí anda.
Mas esta inveja foi relativa. Depois de uma verdadeira britomania (até os Oasis soaram Deus meu) que quase me fizeram trautear, eis que se assoma um mocinho de Malta, com cara de ressaca de quem passou três dias num festival e uma noite no Bairro Alto e resolve pôr música com leve batida, também conhecida como música de gogonhanhas em alguns restritos meios desta nossa sociedade.
Estando eu já a pensar numa qualquer piada inofensiva sobre a música, eis que vejo a brava cinquentona chegar ao pé dele e perguntar com a característica fleuma britânica: Can I take your shitty music off?
Perante o espanto assustado do mocilaime pôs Lou Reed para toda a vizinhança enquanto dançava e gritava que ainda se lembrava de como era ele charmoso há uns anos atrás quando ela era jovem.
E assim se impõe o respeito.
O meu muito obrigado.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Às vezes recebem-se por estas bandas abençoadas personagens capazes de lutar de forma digna por um lugar nos romances do Murakami.
Se no post anterior vos descrevi de forma séria e imparcial o homem do Olá, hoje falo-vos de uma senhora inglesa dos seus 50 anos que fez da digna jogatana de se embriagar nos mais escuros cantos do hostel a sua actividade principal nos dias que por aqui ficou.
E que acontece quando se juntam dois personagens?
Era de manhã cedo, o meu metabolismo tentava ainda assimilar a total beleza gustativa de um Lapsang Souchong quando oiço o homem do Olá a informar a britânica senhora que o chá faz mal porque tem muitos químicos derivados do tipo de plantação praticado por países subdesenvolvidos como o Quénia ou o Paquistão.
(Que pena que a Alemanha não plante chá...)
Antes ainda de conseguir fazer uma ressalva para a qualidade do chá da Gorreana, defendendo-o como a mais pura flor do Lácio dos chás, já a senhora lhe tinha respondido categoricamente que se calasse e não dissesse disparates.
Mas olhe que tenho razão...
Mas a teína é boa para a saúde
Mas os químicos que são utilizados
Mas isso também na água
Não é a mesma coisa
Ai não?
Resolvo abandonar a cozinha pois manda-me o senso comum não me pôr entre alemães e ingleses sob risco de ainda entrar para a família real britânica e eu cá não gosto de promiscuidades com essa gente.
É então que a sala é invadida por ruídos ainda mais fortes. Resolvo entrar na cozinha tal qual Estados Unidos no Iraque para acabar com aquela macacada.
Mas olhe que a nicotina faz bem.
Muahahahahaha. Cigarros?
Claro! O problema são os químicos que lhes põem.
Os cigarros matam! Vem nos maços.
Isso é porque não fumas.
E neste momento resolvi abandonar de vez as instalações do hostel esperando que sunitas e xiitas decidissem de forma bíblica se Maomé marcaria o penálti na final do campeonato do mundo com o pé direito ou com o esquerdo .
Quando regressei já nenhum dos dois estava e a paz reinava como nunca. E aparentemente criei uma solução-metáfora para a política externa norte-americana, enquanto encho os pulmões com o ar de cimo da colina e beberico um pouco mais de chá...
Se no post anterior vos descrevi de forma séria e imparcial o homem do Olá, hoje falo-vos de uma senhora inglesa dos seus 50 anos que fez da digna jogatana de se embriagar nos mais escuros cantos do hostel a sua actividade principal nos dias que por aqui ficou.
E que acontece quando se juntam dois personagens?
Era de manhã cedo, o meu metabolismo tentava ainda assimilar a total beleza gustativa de um Lapsang Souchong quando oiço o homem do Olá a informar a britânica senhora que o chá faz mal porque tem muitos químicos derivados do tipo de plantação praticado por países subdesenvolvidos como o Quénia ou o Paquistão.
(Que pena que a Alemanha não plante chá...)
Antes ainda de conseguir fazer uma ressalva para a qualidade do chá da Gorreana, defendendo-o como a mais pura flor do Lácio dos chás, já a senhora lhe tinha respondido categoricamente que se calasse e não dissesse disparates.
Mas olhe que tenho razão...
Mas a teína é boa para a saúde
Mas os químicos que são utilizados
Mas isso também na água
Não é a mesma coisa
Ai não?
Resolvo abandonar a cozinha pois manda-me o senso comum não me pôr entre alemães e ingleses sob risco de ainda entrar para a família real britânica e eu cá não gosto de promiscuidades com essa gente.
É então que a sala é invadida por ruídos ainda mais fortes. Resolvo entrar na cozinha tal qual Estados Unidos no Iraque para acabar com aquela macacada.
Mas olhe que a nicotina faz bem.
Muahahahahaha. Cigarros?
Claro! O problema são os químicos que lhes põem.
Os cigarros matam! Vem nos maços.
Isso é porque não fumas.
E neste momento resolvi abandonar de vez as instalações do hostel esperando que sunitas e xiitas decidissem de forma bíblica se Maomé marcaria o penálti na final do campeonato do mundo com o pé direito ou com o esquerdo .
Quando regressei já nenhum dos dois estava e a paz reinava como nunca. E aparentemente criei uma solução-metáfora para a política externa norte-americana, enquanto encho os pulmões com o ar de cimo da colina e beberico um pouco mais de chá...
quarta-feira, 6 de junho de 2012
O homem do Olá
Se durante muitos anos Lisboa teve o Senhor do Adeus, é com algum orgulho que anuncio aos meus queridos concidadãos que agora temos o homem do Olá.
De origem alemã, Stefan apareceu aqui pelo hostel há coisa de um mês sem reserva. Como eu não estava, resolveu sentar-se na sala, ligar-se ao meu wifi e fazer uma reserva por dois dias. Quando cheguei e me deparei com um primeiro "olá" pronunciado numa mistura perfeita entre o alemão e o espanhol, pensei cá para comigo que isto prometia.
Passados os dois dias pediu-me para ficar mais um, pois estava à espera de um mail de uma amiga que vivia em Coimbra. E assim foi no dia seguinte. E no outro. E a seguir. E assim se passou já um mês.
Detentor de um riso histérico capaz de acordar o mais profundo dos mortos do Alto de São João, o Stefan é capaz de dizer Olá sempre que vê alguém, mesmo que seja a 5ª vez que o vê no espaço de 12 minutos, tornando-o num rival à maneira do Senhor do Adeus.
Além do mais o Holaaaaaa que produz é estridente e acompanhado de um sorriso de olhar vesgo de um antropólogo que se sente feliz perante a descoberta de uma nova tribo canibal da Papua Nova-Guiné.
Como qualquer hóspede que fica mais do que o tempo normal, o homem do Olá já está a adquirir hábitos e manhas capazes de me tirar do sério.
Entre o lavar a sua própria roupa na casa de banho com o gel que disponibilizo para as mãos e que em seguida fermenta no quarto produzindo um cheiro nojento (nojento, ai que belo eufemismo), passando pelo facto de se levantar 3 minutos antes do fim do pequeno-almoço ou a forma douta como se apropria de grande parte dos hóspedes que vão surgindo por aqui e lhes vai explicando coisas sobre esta nossa Lisboa embora quase nunca saia do hostel.
Pois hoje de manhã resolvi antecipar-me e tirar o pequeno-almoço quatro minutos antes da hora.
Um minuto depois ouço os passos apressados do alemão a correr corredor abaixo apenas para descobrir que já não havia pequeno-almoço.
Chamem-me mesquinho, mas hoje o Olá perdeu o tom estridente e os olhos parte do brilho de antropólogo como quem acaba de descobrir que só é giro estar numa tribo de canibais até ao momento em que eles nos comem um pé ao lanche.
De origem alemã, Stefan apareceu aqui pelo hostel há coisa de um mês sem reserva. Como eu não estava, resolveu sentar-se na sala, ligar-se ao meu wifi e fazer uma reserva por dois dias. Quando cheguei e me deparei com um primeiro "olá" pronunciado numa mistura perfeita entre o alemão e o espanhol, pensei cá para comigo que isto prometia.
Passados os dois dias pediu-me para ficar mais um, pois estava à espera de um mail de uma amiga que vivia em Coimbra. E assim foi no dia seguinte. E no outro. E a seguir. E assim se passou já um mês.
Detentor de um riso histérico capaz de acordar o mais profundo dos mortos do Alto de São João, o Stefan é capaz de dizer Olá sempre que vê alguém, mesmo que seja a 5ª vez que o vê no espaço de 12 minutos, tornando-o num rival à maneira do Senhor do Adeus.
Além do mais o Holaaaaaa que produz é estridente e acompanhado de um sorriso de olhar vesgo de um antropólogo que se sente feliz perante a descoberta de uma nova tribo canibal da Papua Nova-Guiné.
Como qualquer hóspede que fica mais do que o tempo normal, o homem do Olá já está a adquirir hábitos e manhas capazes de me tirar do sério.
Entre o lavar a sua própria roupa na casa de banho com o gel que disponibilizo para as mãos e que em seguida fermenta no quarto produzindo um cheiro nojento (nojento, ai que belo eufemismo), passando pelo facto de se levantar 3 minutos antes do fim do pequeno-almoço ou a forma douta como se apropria de grande parte dos hóspedes que vão surgindo por aqui e lhes vai explicando coisas sobre esta nossa Lisboa embora quase nunca saia do hostel.
Pois hoje de manhã resolvi antecipar-me e tirar o pequeno-almoço quatro minutos antes da hora.
Um minuto depois ouço os passos apressados do alemão a correr corredor abaixo apenas para descobrir que já não havia pequeno-almoço.
Chamem-me mesquinho, mas hoje o Olá perdeu o tom estridente e os olhos parte do brilho de antropólogo como quem acaba de descobrir que só é giro estar numa tribo de canibais até ao momento em que eles nos comem um pé ao lanche.
sábado, 28 de abril de 2012
Perdidos e achados
De todos os momentos que marcam a rotina aqui do albergue há um que aprecio particularmente: quando toda a gente abandona a casa rumo à cidade e um silêncio sepulcral apenas quebrado pelo queda das bátegas de humidade no fundo do poço se faz imperar.
É claro que também se tem que contar com a música do senhor da cave que faz tremer o chão e os carros que são apitados violentamente, revelando verdadeiro desespero perante o olhar curioso da brigada dos bêbedos do Alves que comenta de forma serena se o carro pertencerá a alguém a almoçar no referido estabelecimento.
Tirando isto, impera um silêncio sepulcral.
Preparo um chá. Preparo o narguilé. Preparo um livro. Preparo o cadeirão.
Sento-me e desfruto.
Se perfeição houvesse, esta seria a sua imagem de marca.
Pois estava eu num alto patamar da perfeição a passar os meus olhos sobre o mais recente trabalho do Murakami e a experimentar um delicioso Alfakher turco sem tabaco quando alguém toca à porta.
Quem raios se atreve a violar este meu sagrado momento?, pensei eu.
Abro a porta. Um jovem com cabelo a imitar a vida do Cristo e um olho para cada lado.
Oi, tenho uma reserva para este hostal mesmo. Johnies Place. É.
Olho de soslaio como quem já pressente um cheirinho a esturro. Ideia nenhuma de receber pessoas naquele dia. Mesmo assim, deixei-me levar pelo mapa de marcações. Nada. Verifiquei nos sites de reservas. Nada.
Lamento, disse. Não tenho nenhuma reserva com o teu nome.
Ah, mas se tenho até papel.
Quando mo mostrou descobri que tinha feito a reserva para o dia correcto. O mês é que não.
Evitei fazer piadas como: Ah, foi o mês ao lado, a fim de evitar comparações com a vesguice do rapaz.
Depois de ter ido conhecer esta bela e única Lisboa onde nunca se sabe quando é que um prédio nos pode cair em cima, eis que regressa com ar meio estupefacto.
Você acredita que perdi a minha carteira?
Acredito, sim. Que tinhas lá dentro?
Ah, tudo. Dinheiro, documento, identificação, contactos, tudo.
Depois de lhe ter indicado a localização precisa e exacta da polícia turística, lá o despachei com um alemão chato como a porra.
Quando regressou tinha um sorriso estampado na cara dizendo que no preciso momento em que estava a apresentar queixa lhe apareceu um polícia com a carteira. Oba, qui bommm. Nossa!
De sorriso estampado, arrumou as suas coisas e partiu rumo a Aveiro.
Ou isso achava eu.
Passado uma hora, toca de novo à porta.
Oi, esqueci minha pasta com os bilhetes... Sorte que só vou ficar 10 dias na Europa e a cabeça 'tar grudada no corpo.
Se alguém encontrar um corpo de um jovem brasileiro perdido numa qualquer cidade dessa Europa, por favor enviem de volta ao seu país a pagar no destino.
É claro que também se tem que contar com a música do senhor da cave que faz tremer o chão e os carros que são apitados violentamente, revelando verdadeiro desespero perante o olhar curioso da brigada dos bêbedos do Alves que comenta de forma serena se o carro pertencerá a alguém a almoçar no referido estabelecimento.
Tirando isto, impera um silêncio sepulcral.
Preparo um chá. Preparo o narguilé. Preparo um livro. Preparo o cadeirão.
Sento-me e desfruto.
Se perfeição houvesse, esta seria a sua imagem de marca.
Pois estava eu num alto patamar da perfeição a passar os meus olhos sobre o mais recente trabalho do Murakami e a experimentar um delicioso Alfakher turco sem tabaco quando alguém toca à porta.
Quem raios se atreve a violar este meu sagrado momento?, pensei eu.
Abro a porta. Um jovem com cabelo a imitar a vida do Cristo e um olho para cada lado.
Oi, tenho uma reserva para este hostal mesmo. Johnies Place. É.
Olho de soslaio como quem já pressente um cheirinho a esturro. Ideia nenhuma de receber pessoas naquele dia. Mesmo assim, deixei-me levar pelo mapa de marcações. Nada. Verifiquei nos sites de reservas. Nada.
Lamento, disse. Não tenho nenhuma reserva com o teu nome.
Ah, mas se tenho até papel.
Quando mo mostrou descobri que tinha feito a reserva para o dia correcto. O mês é que não.
Evitei fazer piadas como: Ah, foi o mês ao lado, a fim de evitar comparações com a vesguice do rapaz.
Depois de ter ido conhecer esta bela e única Lisboa onde nunca se sabe quando é que um prédio nos pode cair em cima, eis que regressa com ar meio estupefacto.
Você acredita que perdi a minha carteira?
Acredito, sim. Que tinhas lá dentro?
Ah, tudo. Dinheiro, documento, identificação, contactos, tudo.
Depois de lhe ter indicado a localização precisa e exacta da polícia turística, lá o despachei com um alemão chato como a porra.
Quando regressou tinha um sorriso estampado na cara dizendo que no preciso momento em que estava a apresentar queixa lhe apareceu um polícia com a carteira. Oba, qui bommm. Nossa!
De sorriso estampado, arrumou as suas coisas e partiu rumo a Aveiro.
Ou isso achava eu.
Passado uma hora, toca de novo à porta.
Oi, esqueci minha pasta com os bilhetes... Sorte que só vou ficar 10 dias na Europa e a cabeça 'tar grudada no corpo.
Se alguém encontrar um corpo de um jovem brasileiro perdido numa qualquer cidade dessa Europa, por favor enviem de volta ao seu país a pagar no destino.
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