quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O tempo das coisas



Esperar um ano pela Feira do Livro de Lisboa. Esperar três semanas para ver os coentros brotarem das sementes que lancei de forma desesperançada. Esperar oito horas para que o despertador me volte a  acordar. Esperar seis minutos para começar a ver as cebolas a dourarem num refogado. Esperar noventa minutos para se saber o resultado de um jogo de futebol. Esperar dezasseis minutos para se completar o aquecimento da máquina de café. Esperar um minuto e meio para ver a água atingir os 70º que abre as portas do mate.
Embora esta espera contínua de que são feitos os nossos dias nos dêem a tranquilidade de saber que a ordem universal ainda se mantém mais ou menos a mesma, há um outro género de esperas que não consigo controlar de forma racional.
Há o tempo de espera para começar a ler um livro depois de o ter comprado ou tomado por empréstimo na biblioteca. Há o tempo para se estrear umas botas recém compradas com a promessa de que a água será impotente de chegar aos meus pés face às camadas defensivas de gore tex. E houve o tempo finalmente cumprido de ano e meio para beber um chá preto comprado no Irão. Pese embora a fotografia do bondoso senhor que mo vendeu me controle as manhãs e já tenha até sido alvo das minhas mais sonolentas fantasias sob forma de um conto que ainda não ousei contar, verdade seja dita que ainda não o tinha  provado. É até mesmo de estranhar que me tenha decidido a trazê-lo para Hamburgo. Do chá iraniano a melhor recordação que guardo foi a de ter bebido algo parecido com vodka numa das salas da biblioteca que albergou o festival quando perguntei à equipa do catering se seria possível beber um pouco de chá na esperança vã de que me passasse uma dor de cabeça. Como gente de bom coração que o são a maioria dos iranianos, não hesitaram em oferecer-me álcool. Para a dor de cabeça realmente não há nada melhor.
A manhã por aqui estava típica de Hamburgo. Céu cinzento, uma chuva miudinha capaz de modelar a mais simpática das personalidades e um frio que torna as luvas e os gorros não nos nossos melhores amigos mas num elemento indispensável da nossa existência.  Para não variar entrego o meu despertar aos poderes infinitos do chá preto esperando que este me diga que é real que estou acordado e, mais do que tudo, vivo. Preciso de um forte, esboço eu em forma de pensamento que nunca se chega a concretizar em palavras audíveis. Inconsciente pego no pacote de chá iraniano e deixo-o o tempo suficiente para adquirir o tom dourado e aquele toque levemente amargo típicos dos chás nos países muçulmanos. E no primeiro sorver veio a memória, o prazer, o reviver, a viagem, as leituras, os sorrisos, o que deixei, o que quis deixar e o que me invadiu sem retorno. Picada de saudade, picada de fantasia, tudo junto numa meia hora de olhos vazios. De nada serviu o senhor Vila-Matas nem os poemas do Manoel de Barros. Muito menos o Die Welt.
Na rua a chuva miudinha e o frio trouxeram-me de volta. Conto agora o tempo de espera que me resta para novo regresso amanhã de manhã como se de uma ordem natural se tratasse.

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