quarta-feira, 5 de junho de 2013

A boa da vizinhança

Que os vizinhos sempre foram boa matéria para relatos, isso é coisa que ninguém dúvida.
Recordo com particular carinho o velhote que morava por baixo do hostel e que fazia as tábuas do soalho vibrarem a seguir ao almoço quando se lembrava de pôr fado um pouco mais alto do que o que seria considerado normal. O Alves com o seu cabelo a rivalizar com o Marco Paulo nos anos 80 e sempre pronto a partilhar um palavrão com os transeuntes que ousavam passar em frente ao tasco. Até mesmo o Raúl, de Badajoz, que sempre inventava novas maneiras de conseguir dinheiro para matar os desejos que o vício provoca.
Ora acontece que por estas bandas também me encontro bem provido de vizinhança.
É o vizinho do lado que bate recordes em encomendas da Amazon e que nunca está em casa para as receber, encarregando-se os profissionais da DHL de mas entregar a mim, confiantes na minha boa fé. É a vizinha de cima que gosta de pôr música de discoteca à 10 da manhã ou a do rés-do-chão que sempre espreita quando alguém entra no prédio.
Mas estes são casos normais que, seguramente, já terão acontecido a muito boa gente por esse mundo fora.
O que não é normal é a vizinha do prédio ao lado dedicar-se a gritar aos cães dia após dia. 50 anos, tatuagem à marinheiro no braço esquerdo, cabelo a atirar para o grisalho a fazer inveja a um ensebado e a terminar numa trança. Uma predisposição física a lembrar vagamente o Obélix apenas para completar a descrição. Esta simpática senhora é autora de expressões que ficarão para sempre retidas na minha mente como: Velha porca nojenta! ou Este é o meu quarto, ouviste? Meu quarto! 
Claro está que em alemão tudo isto soa bastante melhor.
Pese embora já me tenha abordado em conversas de varanda às quais me esquivei a sorrir, o melhor estaria para vir. Mas não desta senhora.
No andar de cima mora um casal de velhotes cuja mulher sorri e o marido grunhe quando me vêem. No outro dia interpelou-me com ditos sangrentos aos quais respondi com um educado "Tenha um bom dia", continuando a minha penosa caminhada escadas acima. Mas o que é realmente digno de registo foi ter esta criatura a desejar bom jantar enquanto jantava com a Katrin na varanda no outro dia. Logo senti uma vontade de terminar o jantar dentro de portas, confesso.
Obrigadinho, respondi.
Eu já jantei.
Então tenha um bom serão.
E assim ele desapareceu.
Consegui! Fui persuasivo o suficiente para o enviar de volta aos seus aposentos. E isto de forma educada! Num súbito momento senti uma fé inabalável nas minhas capacidades linguísticas!
Nada mais falso.
Qual foi o meu espanto quando o vejo surgir de novo na sua varanda com uma cenoura na mão, a voz a ecoar no quarteirão, a dizer que também ele comia. Uma cenoura! Imaginem! Sou um coelho! Rnhgrnhgrnhg!
Embora o meu nível de alemão já me permita responder adequadamente a este tipo de situações, limitei-me a dizer Guten apetit e bis morgen.
Embora me tenha conseguido controlar, confesso que não sei como reagir a próxima vez que me cruzar com ele nas escadas. Talvez o cumprimente com um sorriso cínico e um Boa tarde senhor Coelho.

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