Rubem Fonseca.
Rubem Fonseca.
Rubem Fonseca.
Nos últimos tempos tem sido o meu mais fiel companheiro de leituras. Bem mais fiel do que as personagens que cria.
As nuvens sexuais por onde se move a personagem principal deste Diário de um fescenino são comuns a muitas de outras personagens dos seus contos, quase nos fazendo sentir que estamos a visitar um velho amigo que dispensa muitas apresentações. Um desejo ardente e constante pelo corpo feminino num elogio constante à sua beleza aliados a um comportamento irregular são pontos fortes da sua narrativa.
De certa forma é quase inevitável não nos lembrarmos de Bukowski ao lermos estas páginas confessionais. Mas em comparação com o famoso beat ganhamos humor. Bastante. Um sarcasmo escarninho constante que nos faz ler sempre com um sorriso maroto na cara.
O enrolar na acção a que somos convidados faz igualmente lembrar o Processo de Kafka ao vermos a personagem principal a cair num caso judicial algo aparatoso.
O final, como não podia deixar de ser, é surpreendente.
Rubem Fonseca é não só um mestre no domínio da língua como da narrativa. Aqui fica a prova uma vez mais.
A jeito de despedida deixo ficar duas notas tremendamente pessoais:
1) A alegria tremenda de sentir os meus olhos passarem pelos seus textos.
2) A tristeza igualmente tremenda de saber que a Zentrabibliothek não tem mais livros dele que me possam alimentar nos próximos tempos.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Que bom é fazer um churrasco em Hamburgo!
Chegada esta época do ano os parques de Hamburgo enchem-se alegremente com os fumos que saem dos mais diversos assadores fazendo até crer que o D. Sebastião irá ressurgir por estas bandas e a bordo de um BMW, assim contrariando aquilo que sempre me foi dito na escola. A mim e a tantos outros.
A fim de me integrar nos costumes desta gente lá me decidi a também tentar estas artes churrascatórias. Depois de me ter informado de forma séria sobre os procedimentos dos locais, lá me muni de variadas salsichas e carne temperada num molho de cá que facilmente se traduz para português como um "eu não quero nem saber o que é que leva".
Estando alegremente a acabar de grelhar uma última leva de salsichas eis que o céu de repente escurece e termino debaixo duma manta impermeável a ver a chuva a apagar o fogo que tão carinhosamente ateei. Pese embora tenha ficado algo chateado com isto, começou a crescer em mim uma convicção que isso se devia, única e exclusivamente, à má selecção gastronómica. Isto há pecados pelos quais esta gente tem que pagar.
Após leve maturação de ideias, lá fui comprar umas sardinhas congeladas (a loucura, oh meu deus, a loucura) e propus-me a nova churrascada.
Agora sim! Tudo certinho para correr bem!
Nada mais falso!
Acabei debaixo do toldo de um café à espera que a trovoada com que os deuses me presentearam passasse. Como não passou, passei-me eu e nadei até casa entre as ruas encharcadas de Hamburgo.
Talvez a culpa não esteja na selecção gastronómica mas numa total falta de conceptualização do termo "Verão" por entre estas hostes.
Peço, pois, ajuda a alguém letrado que esclareça esta gente que é possível ter verão sem chuva. Difícil, mas possível.
A fim de me integrar nos costumes desta gente lá me decidi a também tentar estas artes churrascatórias. Depois de me ter informado de forma séria sobre os procedimentos dos locais, lá me muni de variadas salsichas e carne temperada num molho de cá que facilmente se traduz para português como um "eu não quero nem saber o que é que leva".
Estando alegremente a acabar de grelhar uma última leva de salsichas eis que o céu de repente escurece e termino debaixo duma manta impermeável a ver a chuva a apagar o fogo que tão carinhosamente ateei. Pese embora tenha ficado algo chateado com isto, começou a crescer em mim uma convicção que isso se devia, única e exclusivamente, à má selecção gastronómica. Isto há pecados pelos quais esta gente tem que pagar.
Após leve maturação de ideias, lá fui comprar umas sardinhas congeladas (a loucura, oh meu deus, a loucura) e propus-me a nova churrascada.
Agora sim! Tudo certinho para correr bem!
Nada mais falso!
Acabei debaixo do toldo de um café à espera que a trovoada com que os deuses me presentearam passasse. Como não passou, passei-me eu e nadei até casa entre as ruas encharcadas de Hamburgo.
Talvez a culpa não esteja na selecção gastronómica mas numa total falta de conceptualização do termo "Verão" por entre estas hostes.
Peço, pois, ajuda a alguém letrado que esclareça esta gente que é possível ter verão sem chuva. Difícil, mas possível.
terça-feira, 18 de junho de 2013
Diz-me o que contas e dir-te-ei quem és
Uma das perguntas que sempre me é mais difícil responder quando proponho uma sessão de contos é a de que tipos de estórias conto.
Uma mistura, digo. Contos tradicionais e contos de autor que se misturam de tal forma que no final já nem se sabe bem onde começa um e acaba o outro.
Insatisfeitos com a resposta, costumam-me pedir referências. Nomes como os seguranças dos aeroportos pedem documento de identificação. De forma despiciente lanço alguns nomes que me passem pela cabeça na altura sem sequer ousar pensar que irão surpreender os meus interlocutores. Regra geral não surpreendem, sendo apenas interrogado sobre se esses nomes são boas referências.
São as minhas, ora porra, penso responder.
Contudo, há referências, nomes aos quais não se pode fugir por muito que se queira. Um desses eleitos a que andei a fugir durante anos largos foi o de Antonio Rodriguez Almodóvar e os seus Cuentos al Amor de la Lumbre.
Desde que comecei nesta andança dos contos que o nome dele começou a saltar aqui e ali como um dos grandes desta cultura ibérica onde me vi nascer. Eis então que numa recente visita à Zentralbibliothek de Hamburgo ele me voltou a saltar das estantes de literatura em espanhol tornando-se irresistível não trazê-lo.
E lê-lo, claro está.
Assim fiz.
Tendo sido um dos pioneiros na recolha de contos, não posso deixar de destacar a extensa introdução, ideal para profissionais do conto e teóricos da tradição oral. Pessoalmente achei demasiado estruturalista, mas tudo bem. Há quem goste. Quem não goste pode sempre passar à frente e mergulhar verticalmente nos contos.
Em relação à recolha, a transcrição dos contos é irrepreensível e a selecção não se podia esperar melhor. A nível de organização encontra-se igualmente bem dividida por temáticas incluindo distintas variantes do mesmo conto oferecendo-nos uma visão globalizante. De certa forma estes livros representam um "best of" da nossa cultura popular ao mesmo tempo que nos faz viajar pela península com indescritível prazer.
As ilustrações do Pablo Auladell conferem-lhe uma magia ainda maior sendo, por si só, uma outra estória, um outro conto, uma outra oportunidade para viajar ou continuar a viajar.
Edição de luxo de um livro que é um luxo.
Indispensável para qualquer narrador que se preze e outros amantes dos contos.
Uma mistura, digo. Contos tradicionais e contos de autor que se misturam de tal forma que no final já nem se sabe bem onde começa um e acaba o outro.
Insatisfeitos com a resposta, costumam-me pedir referências. Nomes como os seguranças dos aeroportos pedem documento de identificação. De forma despiciente lanço alguns nomes que me passem pela cabeça na altura sem sequer ousar pensar que irão surpreender os meus interlocutores. Regra geral não surpreendem, sendo apenas interrogado sobre se esses nomes são boas referências.
São as minhas, ora porra, penso responder.
Contudo, há referências, nomes aos quais não se pode fugir por muito que se queira. Um desses eleitos a que andei a fugir durante anos largos foi o de Antonio Rodriguez Almodóvar e os seus Cuentos al Amor de la Lumbre.
Desde que comecei nesta andança dos contos que o nome dele começou a saltar aqui e ali como um dos grandes desta cultura ibérica onde me vi nascer. Eis então que numa recente visita à Zentralbibliothek de Hamburgo ele me voltou a saltar das estantes de literatura em espanhol tornando-se irresistível não trazê-lo.
E lê-lo, claro está.
Assim fiz.
Tendo sido um dos pioneiros na recolha de contos, não posso deixar de destacar a extensa introdução, ideal para profissionais do conto e teóricos da tradição oral. Pessoalmente achei demasiado estruturalista, mas tudo bem. Há quem goste. Quem não goste pode sempre passar à frente e mergulhar verticalmente nos contos.
Em relação à recolha, a transcrição dos contos é irrepreensível e a selecção não se podia esperar melhor. A nível de organização encontra-se igualmente bem dividida por temáticas incluindo distintas variantes do mesmo conto oferecendo-nos uma visão globalizante. De certa forma estes livros representam um "best of" da nossa cultura popular ao mesmo tempo que nos faz viajar pela península com indescritível prazer.
As ilustrações do Pablo Auladell conferem-lhe uma magia ainda maior sendo, por si só, uma outra estória, um outro conto, uma outra oportunidade para viajar ou continuar a viajar.
Edição de luxo de um livro que é um luxo.
Indispensável para qualquer narrador que se preze e outros amantes dos contos.
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Orgia Lusófona
No seguimento disto regresso a escrever sobre livros.
Decisão arriscada, desponderada, resultante pura e simplesmente de quem ainda está em convalescença de uma verdadeira orgia lusófona nestes últimos dias.
Que bom ter regressado por momentos a Lisboa com a História do Cerco, com as eternas divagações sobre expressões tão popularmente portuguesas e o sarcasmo histórico do Saramago a apimentarem um pouco mais a memória dos últimos três anos passados em Lisboa.
Viagens assim não têm preço.
Sobretudo quando a personagem principal do livro era minha ex-vizinha.
Para além da dupla viagem fez-me o Saramago atirar-me a um moroso processo de revisão com outros olhos. Rever-me. Obrigar-me a um trabalho estranho e persistente, com pausas, ponderações. Com chás e estudos de alemão por entre meio para aliviar uma certa dor crónica de me reler.
Se ler Saramago é sempre um certo regressar, ler Mia Couto é um regressar ainda mais profundo.
Grândola, 2009. As mãos suavam-me de forma quase incontrolada quando o apresentei e ao Agualusa perante uma semi-multidão que só esperavam que me calasse para ouvir outras vozes mais carismáticas. No final, a única palavra de agradecimento veio precisamente do Mia Couto. Nesse momento algo em mim estremeceu. Gostaria de conseguir apresentar conclusões deste momento, mas não consigo. Lamento.
O Outro Pé da Sereia faz-nos igualmente viajar no espaço e no tempo. A dupla narrativa que acaba por ir convergindo nunca se chegando a tocar encontra-se repleta de imagens poéticas, relatos deliciosos e humorísticos apenas capazes por quem domina a língua de forma maestra. Mas que dizer mais? Mia Couto é um conceito que, de certa maneira, se auto-define.
Para o final deixei mais um "velho amigo" dos tempos de Southampton (como vai longe 2004). O brasileiro Rubem Fonseca e o seu fascinante Ela e as outras mulheres que não consegui deixar de ler. Vinte e sete contos. Vinte e sete mulheres. Ritmo vertiginoso. Um dia apenas me durou nas mãos.
Há mortes, traições, humor cáustico, mais mortes, algum sangue, crueldade e uma vontade de não parar de ler mesmo depois de se ter terminado o livro.
Como todos os outros dele, de resto.
E acho que já está. Três anos depois voltei a escrever sobre livros.
Cuidado!
Decisão arriscada, desponderada, resultante pura e simplesmente de quem ainda está em convalescença de uma verdadeira orgia lusófona nestes últimos dias.
Que bom ter regressado por momentos a Lisboa com a História do Cerco, com as eternas divagações sobre expressões tão popularmente portuguesas e o sarcasmo histórico do Saramago a apimentarem um pouco mais a memória dos últimos três anos passados em Lisboa.
Viagens assim não têm preço.
Sobretudo quando a personagem principal do livro era minha ex-vizinha.
Para além da dupla viagem fez-me o Saramago atirar-me a um moroso processo de revisão com outros olhos. Rever-me. Obrigar-me a um trabalho estranho e persistente, com pausas, ponderações. Com chás e estudos de alemão por entre meio para aliviar uma certa dor crónica de me reler.
Se ler Saramago é sempre um certo regressar, ler Mia Couto é um regressar ainda mais profundo.
Grândola, 2009. As mãos suavam-me de forma quase incontrolada quando o apresentei e ao Agualusa perante uma semi-multidão que só esperavam que me calasse para ouvir outras vozes mais carismáticas. No final, a única palavra de agradecimento veio precisamente do Mia Couto. Nesse momento algo em mim estremeceu. Gostaria de conseguir apresentar conclusões deste momento, mas não consigo. Lamento.
O Outro Pé da Sereia faz-nos igualmente viajar no espaço e no tempo. A dupla narrativa que acaba por ir convergindo nunca se chegando a tocar encontra-se repleta de imagens poéticas, relatos deliciosos e humorísticos apenas capazes por quem domina a língua de forma maestra. Mas que dizer mais? Mia Couto é um conceito que, de certa maneira, se auto-define.
Para o final deixei mais um "velho amigo" dos tempos de Southampton (como vai longe 2004). O brasileiro Rubem Fonseca e o seu fascinante Ela e as outras mulheres que não consegui deixar de ler. Vinte e sete contos. Vinte e sete mulheres. Ritmo vertiginoso. Um dia apenas me durou nas mãos.
Há mortes, traições, humor cáustico, mais mortes, algum sangue, crueldade e uma vontade de não parar de ler mesmo depois de se ter terminado o livro.
Como todos os outros dele, de resto.
E acho que já está. Três anos depois voltei a escrever sobre livros.
Cuidado!
quarta-feira, 5 de junho de 2013
A boa da vizinhança
Que os vizinhos sempre foram boa matéria para relatos, isso é coisa que ninguém dúvida.
Recordo com particular carinho o velhote que morava por baixo do hostel e que fazia as tábuas do soalho vibrarem a seguir ao almoço quando se lembrava de pôr fado um pouco mais alto do que o que seria considerado normal. O Alves com o seu cabelo a rivalizar com o Marco Paulo nos anos 80 e sempre pronto a partilhar um palavrão com os transeuntes que ousavam passar em frente ao tasco. Até mesmo o Raúl, de Badajoz, que sempre inventava novas maneiras de conseguir dinheiro para matar os desejos que o vício provoca.
Ora acontece que por estas bandas também me encontro bem provido de vizinhança.
É o vizinho do lado que bate recordes em encomendas da Amazon e que nunca está em casa para as receber, encarregando-se os profissionais da DHL de mas entregar a mim, confiantes na minha boa fé. É a vizinha de cima que gosta de pôr música de discoteca à 10 da manhã ou a do rés-do-chão que sempre espreita quando alguém entra no prédio.
Mas estes são casos normais que, seguramente, já terão acontecido a muito boa gente por esse mundo fora.
O que não é normal é a vizinha do prédio ao lado dedicar-se a gritar aos cães dia após dia. 50 anos, tatuagem à marinheiro no braço esquerdo, cabelo a atirar para o grisalho a fazer inveja a um ensebado e a terminar numa trança. Uma predisposição física a lembrar vagamente o Obélix apenas para completar a descrição. Esta simpática senhora é autora de expressões que ficarão para sempre retidas na minha mente como: Velha porca nojenta! ou Este é o meu quarto, ouviste? Meu quarto!
Claro está que em alemão tudo isto soa bastante melhor.
Pese embora já me tenha abordado em conversas de varanda às quais me esquivei a sorrir, o melhor estaria para vir. Mas não desta senhora.
No andar de cima mora um casal de velhotes cuja mulher sorri e o marido grunhe quando me vêem. No outro dia interpelou-me com ditos sangrentos aos quais respondi com um educado "Tenha um bom dia", continuando a minha penosa caminhada escadas acima. Mas o que é realmente digno de registo foi ter esta criatura a desejar bom jantar enquanto jantava com a Katrin na varanda no outro dia. Logo senti uma vontade de terminar o jantar dentro de portas, confesso.
Obrigadinho, respondi.
Eu já jantei.
Então tenha um bom serão.
E assim ele desapareceu.
Consegui! Fui persuasivo o suficiente para o enviar de volta aos seus aposentos. E isto de forma educada! Num súbito momento senti uma fé inabalável nas minhas capacidades linguísticas!
Nada mais falso.
Qual foi o meu espanto quando o vejo surgir de novo na sua varanda com uma cenoura na mão, a voz a ecoar no quarteirão, a dizer que também ele comia. Uma cenoura! Imaginem! Sou um coelho! Rnhgrnhgrnhg!
Embora o meu nível de alemão já me permita responder adequadamente a este tipo de situações, limitei-me a dizer Guten apetit e bis morgen.
Embora me tenha conseguido controlar, confesso que não sei como reagir a próxima vez que me cruzar com ele nas escadas. Talvez o cumprimente com um sorriso cínico e um Boa tarde senhor Coelho.
Recordo com particular carinho o velhote que morava por baixo do hostel e que fazia as tábuas do soalho vibrarem a seguir ao almoço quando se lembrava de pôr fado um pouco mais alto do que o que seria considerado normal. O Alves com o seu cabelo a rivalizar com o Marco Paulo nos anos 80 e sempre pronto a partilhar um palavrão com os transeuntes que ousavam passar em frente ao tasco. Até mesmo o Raúl, de Badajoz, que sempre inventava novas maneiras de conseguir dinheiro para matar os desejos que o vício provoca.
Ora acontece que por estas bandas também me encontro bem provido de vizinhança.
É o vizinho do lado que bate recordes em encomendas da Amazon e que nunca está em casa para as receber, encarregando-se os profissionais da DHL de mas entregar a mim, confiantes na minha boa fé. É a vizinha de cima que gosta de pôr música de discoteca à 10 da manhã ou a do rés-do-chão que sempre espreita quando alguém entra no prédio.
Mas estes são casos normais que, seguramente, já terão acontecido a muito boa gente por esse mundo fora.
O que não é normal é a vizinha do prédio ao lado dedicar-se a gritar aos cães dia após dia. 50 anos, tatuagem à marinheiro no braço esquerdo, cabelo a atirar para o grisalho a fazer inveja a um ensebado e a terminar numa trança. Uma predisposição física a lembrar vagamente o Obélix apenas para completar a descrição. Esta simpática senhora é autora de expressões que ficarão para sempre retidas na minha mente como: Velha porca nojenta! ou Este é o meu quarto, ouviste? Meu quarto!
Claro está que em alemão tudo isto soa bastante melhor.
Pese embora já me tenha abordado em conversas de varanda às quais me esquivei a sorrir, o melhor estaria para vir. Mas não desta senhora.
No andar de cima mora um casal de velhotes cuja mulher sorri e o marido grunhe quando me vêem. No outro dia interpelou-me com ditos sangrentos aos quais respondi com um educado "Tenha um bom dia", continuando a minha penosa caminhada escadas acima. Mas o que é realmente digno de registo foi ter esta criatura a desejar bom jantar enquanto jantava com a Katrin na varanda no outro dia. Logo senti uma vontade de terminar o jantar dentro de portas, confesso.
Obrigadinho, respondi.
Eu já jantei.
Então tenha um bom serão.
E assim ele desapareceu.
Consegui! Fui persuasivo o suficiente para o enviar de volta aos seus aposentos. E isto de forma educada! Num súbito momento senti uma fé inabalável nas minhas capacidades linguísticas!
Nada mais falso.
Qual foi o meu espanto quando o vejo surgir de novo na sua varanda com uma cenoura na mão, a voz a ecoar no quarteirão, a dizer que também ele comia. Uma cenoura! Imaginem! Sou um coelho! Rnhgrnhgrnhg!
Embora o meu nível de alemão já me permita responder adequadamente a este tipo de situações, limitei-me a dizer Guten apetit e bis morgen.
Embora me tenha conseguido controlar, confesso que não sei como reagir a próxima vez que me cruzar com ele nas escadas. Talvez o cumprimente com um sorriso cínico e um Boa tarde senhor Coelho.
segunda-feira, 3 de junho de 2013
Social books
Confesso que tenho andado obcecado com livros.
Ao contrário do que se possa pensar não ando obcecado com os meus livros ou com as minhas leituras, tema por demais vulgar. Isso é algo que já nem sequer pondero. Confesso-me deprimido ao ler Tchekov, entusiasmado ao ler Moacyr, psicótico ao ler Woody Allen e com vontade de viver ao ler Saramago.
Ando obcecado, sim, com os livros dos outros.
O facto dos alemães desconhecerem na sua maioria a beleza e utilidade dos cortinados faz com que amiúde me veja invadido por impressionantes colecções de livros nas salas de estar alheias. Se nos transportes públicos me vejo em ridículas posições a fim de descortinar o que é que os restantes convivas lêem, quando vejo tremendas estantes recheadas de livros a entrarem-me pelos olhos dentro nem sei bem como reagir. Sinto vontade de saltar as cercas dos jardins e catrafanar-me diante das estantes e saber que raio lê esta gente.
Quando em situações sociais sou apanhado a espreitar as estantes alheias reparo que os alemães me sorriem e cedo se prontificam a recomendar-me um ou outro autor e até me incitam a levar os livros comigo.
Temo, pois claro.
Que raio de atitude é esta? Onde é que estão os biblôs e os cães de loiça? As fotografias das férias em Maiorca? O artesanato comprado em Marrocos a povoarem as salas?
Logo percebi que têm estas gentes um orgulho tremendo no que já leram não hesitando em partilhar o conhecimento com o resto da humanidade.
Isto assusta-me pois tenho ainda os traumas de emprestar livros que não regressam, que esqueço a quem emprestei e que quando não esqueço perco o contacto da pessoa a quem o emprestei. E o livro. Lembro-me da forma como não se dizia o que se lia na faculdade. Ou de como quando se dizia se ignoravam os pedidos de empréstimo com um "ah, pois, esqueci-me. Amanhã a ver se não me falha a memória".
Que seja esta atitude germânica uma forma de afirmação da individualidade e de orgulho pessoal, sim, é. É uma outra realidade, chocante talvez para quem vem de Santarém, mas à qual acho que me conseguirei adaptar sem grande esforço.
Ao contrário do que se possa pensar não ando obcecado com os meus livros ou com as minhas leituras, tema por demais vulgar. Isso é algo que já nem sequer pondero. Confesso-me deprimido ao ler Tchekov, entusiasmado ao ler Moacyr, psicótico ao ler Woody Allen e com vontade de viver ao ler Saramago.
Ando obcecado, sim, com os livros dos outros.
O facto dos alemães desconhecerem na sua maioria a beleza e utilidade dos cortinados faz com que amiúde me veja invadido por impressionantes colecções de livros nas salas de estar alheias. Se nos transportes públicos me vejo em ridículas posições a fim de descortinar o que é que os restantes convivas lêem, quando vejo tremendas estantes recheadas de livros a entrarem-me pelos olhos dentro nem sei bem como reagir. Sinto vontade de saltar as cercas dos jardins e catrafanar-me diante das estantes e saber que raio lê esta gente.
Quando em situações sociais sou apanhado a espreitar as estantes alheias reparo que os alemães me sorriem e cedo se prontificam a recomendar-me um ou outro autor e até me incitam a levar os livros comigo.
Temo, pois claro.
Que raio de atitude é esta? Onde é que estão os biblôs e os cães de loiça? As fotografias das férias em Maiorca? O artesanato comprado em Marrocos a povoarem as salas?
Logo percebi que têm estas gentes um orgulho tremendo no que já leram não hesitando em partilhar o conhecimento com o resto da humanidade.
Isto assusta-me pois tenho ainda os traumas de emprestar livros que não regressam, que esqueço a quem emprestei e que quando não esqueço perco o contacto da pessoa a quem o emprestei. E o livro. Lembro-me da forma como não se dizia o que se lia na faculdade. Ou de como quando se dizia se ignoravam os pedidos de empréstimo com um "ah, pois, esqueci-me. Amanhã a ver se não me falha a memória".
Que seja esta atitude germânica uma forma de afirmação da individualidade e de orgulho pessoal, sim, é. É uma outra realidade, chocante talvez para quem vem de Santarém, mas à qual acho que me conseguirei adaptar sem grande esforço.
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