terça-feira, 16 de abril de 2013

Abutrismo livreiro

Se há coisa que não consigo resistir é a uma banca de livros. Não há feira da ladra ou feira do livro usado onde não me debruce à procura daquela oportunidade única de encontrar o negócio do século fazendo-me valer do despreço alheio pela leitura. A típica posição de leve inclinação ou de joelhos à volta de caixas enchendo os dedos de um pó espesso ocupa já uma parte significativa da minha vida logo a seguir à de dormir e à de sentado a uma mesa a comer.
Talvez seja esta uma consequência directa dos anos de biblioteca ou dos ainda maior anos de certa penúria financeira ou de pura e simples cromice literária. E de que forma celebro quando alcanço um qualquer feito notável! Não consigo deixar de sorrir durante um dia inteiro ao conseguir a obra completa do William Carlos Williams por 2€ ou os melhores contos do Alejo Carpentier por 1€. Isso pode ser comprovado neste post.
Contudo, no outro dia fui acometido por uma certo  e profundo sentimento de tristeza.
Ao caminhar pelas ruas de Copenhaga, o mais barato que consegui comprar foram livros. Um velho alfarrabista num espaço verdadeiramente apaixonante estava a vender ao desbarato o que restava das suas colecções antes de fechar a livraria por completo. Cada livro estava a ser vendido por menos de 1€. Um café em Copenhaga custa cerca de 4€.
O livreiro ostentava um certo ar de profunda melancolia enquanto via os abutres (entre os quais me incluí) à procura das melhores carcaças entre os restos mortais.
E Lisboa veio-me de novo à memória. Antes de deixar a cidade e vir para estas terra germânicas que albergam as minhas ossadas resolvi ir à Barateira fazer a minha despedida. Despedi-me sozinho e em choque com o seu fecho.
No outro dia e já por estas terras hamburguesas, andava por uma loja de segunda mão à procura de mesas de cabeceira aqui para casa quando me deparo com o facto de os livros serem gratuitos. Quem comprasse o que quer que fosse poderia levar os livros que quisesse sem que pagasse mais por isso.
Verdade que tenho que concordar com o Gabriel Zaid sobre o facto de haver livros a mais e leitores a menos, mas não consigo deixar de esconder uma certa tristeza ao ver este destino a tornar-se cada vez mais comum.
Num momento imaginei a amargura dos autores a verem os seus livros a serem tratados como lixo, o desespero de editores e livreiros ao verem que o que ganham não quase não é dinheiro e saber que chegada a época de grelhados ao ar livre, um livro é uma forma bem mais barata e eficaz de grelhar salsichas ou sardinhas.
 


1 comentário:

  1. É uma tristeza, pois é... mas partilho o fascínio por alfarrabistas! beijinhos

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