Pela primeira vez desde há muitos anos fui a uma consulta de dentista e, ao contrário de todas os intentos da aplicada senhora, nao me foi descoberto nada de novo.
Nada!
Uma cárie, uma qualquer infeccao digna de um episódio dos Ficheiros Secretos ou até uma possível periodontite num futuro mais ou menos próximo.
Nada!
Impecável, disse a dentista.
Num momento em que já me encontrava numa género de euforia interior como há muito tempo nao vivia pronto para uma celebracao sem antecedentes, eis que me olha no fundo dos meus olhos e lanca um: pode entao ir arrancar o dente do ciso, assim como quem nao quer a coisa.
Num cartao escreveu-me uma recomendacao de um colega e lá fui eu, qual alma penada, marcar uma consulta para proceder a mais um episódio da minha traumática experiencia com a cremalheira (como em Grandola simpaticamente se referiam ao conjunto de estruturas esbranquicadas que se encontram na boca a fim de nos facilitarem o processo digestivo).
Chegado o dia as maos suavam-me de forma desmesurada, mesmo apesar das temperaturas negativas que se abateram sobre Hamburgo nestes últimos tempos. O meu coracao ameacava parar a qualquer momento em virtude das suas abusivas taquicardias. As pernas tremiam-me que nem as do Veloso antes da marcacao do pénalti na final de 88 ante o PSV.
Chegado ao belo edifício modernista exclusivamente dedicado a consultórios médicos, lá me dirigi à recepcao. Uma senhora dos seus cinquenta anos passou-me para a mao um extenso questionário sobre os meus mais diversos hábitos e doencas. Devo dizer que a mais ligeira constipacao assume em alemao contornos de algo capaz de nos levar para a tumba sem pestanejar.
Preenchido o questionário, uma simpática menina que se revelou incapaz de pronunciar o meu nome lá me arrastou para a fatal sala onde, ò Deus, a minha boca seria submetida a atrocidades cujos pormenores vos pouparei.
A minha confianca nao aumentou quando me apercebi que a dita cuja era uma estagiária que revelou certa dificuldade em abrir o pacote esterilizado com os instrumentos da tortura que se iria seguir. Ao me perguntar se estava tudo bem comigo, nao se coibiu de levantar os polegares ao jeito de Circo Romano. Apesar do meu intenso desejo de os inverter apontando para o chao, limitei-me a tentar sorrir de forma a tranquilizá-la.
- O doutor já vem - disse-me.
Dez minutos depois eis que aparece o carniceiro. Enquanto me dava anestesia avisou-me que iria sentir uma pica numa total falta de coordenacao temporal pois já a estava a sentir como a alguém a quem muito quero. Dada a anestesia, tornou a abandonar a sala, voltando-me a deixar sozinho com a rapariga que parecia agora estar em puro sofrimento qual Teresa de Ávila face às suas místicas revelacoes.
Incapazes de falar um com o outro, deixei que a anestesia fizesse efeito, esperando mesmo que ele se tivesse enganado e me tivesse dado uma dose suficiente para me fazer adormecer deixando-me num estado pré-comatoso.
Infelizmente nao se enganou e passado um bocado lá voltou a surgir. Atirou-me uma toalha para o rosto e sem pudor cortou-me a gengiva e arrancou-me o dente à bruta num processo que nao demorou mais do que dois minutos.
- Leia as instrucoes no folheto que lhe vao dar e um bom resto de dia.
E assim se foi embora sem que tivesse tempo de me fixar na cara do meu cruel carrasco.
Já a minha pessoa ficou atordoada com um papel na mao onde consegui decifrar que em caso de problemas poderia voltar a ligar para a clínica no dia seguinte entre as oite e as catorze, horário mais do que conveniente para quem se estiver a esvair em sangue. Na realidade, aqui deixo expressa a minha fiel conviccao de que considero um despropósito alguém padecer do que quer que seja numa sexta-feira a seguir ao almoco.
O descanso e a paz é algo que estas gentes muito prezam e, a meu ver, é uma das bases fundamentais para o sucesso económico do país. Isso de trabalhar sexta da parte da tarde é coisa para países subdesenvolvidos do sul da Europa, segundo ouvi dizer.
Após um período de recobro de dois dias em que me tentei alimentar a puré de batata e boioes de comida para bebés, resta-me agora a satisfacao de saber que nao me irao arrancar mais nenhum dos danados dentes do ciso, até porque já nao tenho mais nenhum.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
Proud
Today I had my last class at a course in a school in Eppendorf (Hamburg) with a group of primary school students.
After a semester full of good experiences with particularly brilliant kids, I´ve decided to try my "new toy" and tell one story with a shadow theatre. After I´ve done it, the group has refused to leave their places and asked for another one. And so I did.
After that they have asked me whether I would explain them how the whole thing works. No more than five minutes were needed till I got some precise instructions that I should give them ten minutes on their own so that they would find out a story and present it to me.
Leaving the room I couldn´t control my growing expectation towards what was to come.
When I got back inside the room, they've ordered me to lay on the fluffy carpet of the library so that I would see the story on the ceiling, just as they have done before during my presentations.
This was the result:
For those who don't speak german here goes a brief summary: this was a normal city where a thief has always waited for midnight to rob people´s houses and shops. But there was a sleepwalking lady who has managed to get him and took him to the town´s judge who has made him ask for sorry.
More than the story in itself, it was the wonderful humour of the whole presentation which made me feel proud and tremendously happy to see it.
In the beginning they start presenting some of the people who lived in the city, starting by the President Lady and the President Man, as women should always come first ( as I was latter told).
There´s a moment where the kids didn´t know where they have put the puppet they needed so they have just decided to put an airplane flying around as it is always something nice to see. From the school it is always possible to see airplanes preparing to land at Hamburg´s airport.
Another one is how the sleepwalking lady suddenly changes her clothes as soon as she wakes up and gets the robber, because everyone know that it is silly to walk around in pijamas, or so have they told me in the end of the story.
I have to admit that after ten years telling stories in the most different contexts, it is moments like this that make me keep on. Thanks kids for making me smile and believe in the power of stories!!
Last, but not the least, I have to confess my admiration for Jeff Gere´s work, which has arisen my curiosity and fascination for this way of telling stories. Thanks Jeff!!!
After a semester full of good experiences with particularly brilliant kids, I´ve decided to try my "new toy" and tell one story with a shadow theatre. After I´ve done it, the group has refused to leave their places and asked for another one. And so I did.
After that they have asked me whether I would explain them how the whole thing works. No more than five minutes were needed till I got some precise instructions that I should give them ten minutes on their own so that they would find out a story and present it to me.
Leaving the room I couldn´t control my growing expectation towards what was to come.
When I got back inside the room, they've ordered me to lay on the fluffy carpet of the library so that I would see the story on the ceiling, just as they have done before during my presentations.
This was the result:
For those who don't speak german here goes a brief summary: this was a normal city where a thief has always waited for midnight to rob people´s houses and shops. But there was a sleepwalking lady who has managed to get him and took him to the town´s judge who has made him ask for sorry.
More than the story in itself, it was the wonderful humour of the whole presentation which made me feel proud and tremendously happy to see it.
In the beginning they start presenting some of the people who lived in the city, starting by the President Lady and the President Man, as women should always come first ( as I was latter told).
There´s a moment where the kids didn´t know where they have put the puppet they needed so they have just decided to put an airplane flying around as it is always something nice to see. From the school it is always possible to see airplanes preparing to land at Hamburg´s airport.
Another one is how the sleepwalking lady suddenly changes her clothes as soon as she wakes up and gets the robber, because everyone know that it is silly to walk around in pijamas, or so have they told me in the end of the story.
I have to admit that after ten years telling stories in the most different contexts, it is moments like this that make me keep on. Thanks kids for making me smile and believe in the power of stories!!
Last, but not the least, I have to confess my admiration for Jeff Gere´s work, which has arisen my curiosity and fascination for this way of telling stories. Thanks Jeff!!!
sexta-feira, 18 de setembro de 2015
Viajar
Viajar. Conhecer
novos mundos, alimentar a ilusão de que poderia ser feliz numa qualquer outra
vida num qualquer outro lugar. Apaixonar-me perdidamente e sentir uma
incontrolável alegria apenas pelo facto de estar vivo e sentir que existo
dentro de uma qualquer ficção. Minha. Pessoal. Transmissível a todo um conjunto
de pessoas que, de uma maneira ou outra, vivem as minhas viagens no usufruto
mais ou menos intenso das minhas palavras. A cada uma das pessoas que narro uma
viagem, algo muda. A narrativa nunca é igual, numa infatigável procura de
conseguir corresponder às expectativas dos olhos que me fitam. Assim reviajo.
Revivo experiências e vidas tornando-as de certa forma imortais nesse
imaginário interminável que costuma responder quando o nome que ostenta o meu
bilhete de identidade é proferido em voz alta.
Mas há um outro
lado.
Habita em mim um
receio de que cada nova viagem seja nada mais do que a última. Um pássaro que
se resolve violentamente suicidar contra as turbinas do avião que me comporta
as ossadas no momento de levantar voo. Um comboio que descarrila depois de ter
destroçado por completo o corpo de um qualquer suicida que resolveu
generosamente partilhar a sua morte com mais ou menos inocentes passageiros. Um
condutor de autocarro que não se poupou nos copos de tinto a fim de conseguir
viver com a inevitabilidade que depois de amanhã ainda haverá dia, mais viagens
e contas para pagar. Assim resvalarei Arrábida abaixo. Da mesma forma que já
resvalei em sonhos para baixo de um carro, incapaz de controlar a minha
calorosa bicicleta num qualquer dia de chuva em Hamburgo. Ou espero sine die
receber uma bala transviada ao sair de casa no preciso momento em que o meu
nariz efectua uma minuciosa análise dos níveis de pólen existentes no ar.
Macabro? Talvez.
Mas viajar implica
para mim um risco infinito que é nada mais do que uma outra expressão dessa
experiência ao mesmo tempo aterradora e fascinante que é viver.
domingo, 12 de julho de 2015
Das possibilidades da rua
Existe nestas terras que habito a saudável tradicao de quando um se quer livrar de coisas velhas, mete-las na rua com um papel a dizer: oferece-se.
Nao é pois de espantar que aqui e ali se encontrem as ruas povoadas com sofás desgastados pelas unhas de gatos, cadeiras mais coxas do que a minha pessoa a seguir a pouco saudáveis partidas de futebol ou móveis de contraplacado à espera que o tempo (metereológico e o outro mais simbólico da vida) os consumam até à mais ínfima essencia.
Razao?
O facto de se ter que pagar para serem recolhidos.
Assim sendo, os alemaes, tremendas criaturas da noite, abandonam os despojos que lhes complicam a vida sem qualquer tipo de pudor na via pública.
Contudo, por entre as imensas possibilidades que sempre se apresentam, há uma que sempre me agrada e choca ao mesmo tempo: o despojar de livros.
Que o preco de livros em segunda mao chega a ser ridículo ( a biblioteca central vende livros a um euro e o preco em feiras da ladra por cada um costuma rondar os 50 centimos) é algo que às vezes me aflige, mas largar livros de forma gratuita na rua?
Se por vezes lamento nao ter lareira de forma a que possa alimentar com os restos de armários ou estantes, penso se seria capaz de o fazer com livros. A resposta é mais ou menos óbvia e surge como um grito na minha cabeca: Nao! Penso entao se haverá pessoas que o facam aproveitando estas ofertas. Talvez sim. Talvez nao queira pensar muito nisso e continuar a ser um feliz ignorante.
Talvez me sinta no dever de os trazer para casa e alimentar a ilusao de que um dia os irei ler a todos, e que eles me irao alimentar a imaginacao e encher os cantos mais escuros da minha mente.
Ontem, ao regressar a casa trouxe comigo Garcia Márquez, Henning Mankel, uma versao simplificada do Corao e Kundera. Jantei com eles antes de os acomodar na sua nova cama.
Sejam benvindos, meninos
Nao é pois de espantar que aqui e ali se encontrem as ruas povoadas com sofás desgastados pelas unhas de gatos, cadeiras mais coxas do que a minha pessoa a seguir a pouco saudáveis partidas de futebol ou móveis de contraplacado à espera que o tempo (metereológico e o outro mais simbólico da vida) os consumam até à mais ínfima essencia.
Razao?
O facto de se ter que pagar para serem recolhidos.
Assim sendo, os alemaes, tremendas criaturas da noite, abandonam os despojos que lhes complicam a vida sem qualquer tipo de pudor na via pública.
Contudo, por entre as imensas possibilidades que sempre se apresentam, há uma que sempre me agrada e choca ao mesmo tempo: o despojar de livros.
Que o preco de livros em segunda mao chega a ser ridículo ( a biblioteca central vende livros a um euro e o preco em feiras da ladra por cada um costuma rondar os 50 centimos) é algo que às vezes me aflige, mas largar livros de forma gratuita na rua?
Se por vezes lamento nao ter lareira de forma a que possa alimentar com os restos de armários ou estantes, penso se seria capaz de o fazer com livros. A resposta é mais ou menos óbvia e surge como um grito na minha cabeca: Nao! Penso entao se haverá pessoas que o facam aproveitando estas ofertas. Talvez sim. Talvez nao queira pensar muito nisso e continuar a ser um feliz ignorante.
Talvez me sinta no dever de os trazer para casa e alimentar a ilusao de que um dia os irei ler a todos, e que eles me irao alimentar a imaginacao e encher os cantos mais escuros da minha mente.
Ontem, ao regressar a casa trouxe comigo Garcia Márquez, Henning Mankel, uma versao simplificada do Corao e Kundera. Jantei com eles antes de os acomodar na sua nova cama.
Sejam benvindos, meninos
terça-feira, 14 de abril de 2015
Óbito pessoal do senhor Galeano
Durante tempos alimentei uma fantasia secreta de ir a caminhar por uma qualquer rua do mundo e tropecar acidentalmente com Eduardo Galeano. A fantasia foi crescendo quando soube que ele costumava aparecer sem grandes avisos nem publicidades, tal como o fez na acampada em Barcelona (vd. vídeo).
Isto fez-me comecar a olhar para as pessoas com quem me cruzo todos os dias onde quer que seja de outro modo numa busca cega e incessante de o conhecer pessoalmente.
Entretanto fui continuando a conhece-lo de forma literária e por vezes quase obsessiva, como o faco com todas as paixoes.
Na parede do hostel em Lisboa e posteriormente na do café em Hamburgo um pequeno texto idílico dele figurou na parede como uma das mais importantes referencias da minha vida, presente a quase todos os instantes.
Tal como se faz a alguém de quem muito se gosta, apresentei-o às pessoas de quem mais gosto e que me sao importantes.
A cada novo livro seu senti uma excitacao tremenda como se fosse reencontrar o melhor dos meus amigos. durante a sua leitura o meu coracao sorria de emocao com as licoes de humanidade e visoes poéticas de um mundo que nem sempre o consegue ser assim tao agradável. Com ele sorri, chorei, cresceu-me raiva no peito, senti ansiedade, sonhei.
O que me ensinou foi quase tanto como o que os melhores do meus amigos me ensinaram e por isso ontem nao consegui conter o choque quando recebi a primeira mensagem a informar-me de que tinha falecido. A essa primeira mensagem seguiram-se outras a dizer que se tinham inevitavelmente lembrado de mim e de todos eles recebi os votos de um luto sentido, pois no fundo, ontem houve uma parte de mim que morreu.
Entretanto fui continuando a conhece-lo de forma literária e por vezes quase obsessiva, como o faco com todas as paixoes.
Na parede do hostel em Lisboa e posteriormente na do café em Hamburgo um pequeno texto idílico dele figurou na parede como uma das mais importantes referencias da minha vida, presente a quase todos os instantes.
Tal como se faz a alguém de quem muito se gosta, apresentei-o às pessoas de quem mais gosto e que me sao importantes.
A cada novo livro seu senti uma excitacao tremenda como se fosse reencontrar o melhor dos meus amigos. durante a sua leitura o meu coracao sorria de emocao com as licoes de humanidade e visoes poéticas de um mundo que nem sempre o consegue ser assim tao agradável. Com ele sorri, chorei, cresceu-me raiva no peito, senti ansiedade, sonhei.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
O Pacheco contra-ataca
da mesma forma como surgiste
apercebo-me de que,
afinal,
nem te vi partir,
deixando-me o estranho sentimento
de que talvez /(mas só talvez)
poderás sempre voltar a surgir
apercebo-me de que,
afinal,
nem te vi partir,
deixando-me o estranho sentimento
de que talvez /(mas só talvez)
poderás sempre voltar a surgir
terça-feira, 27 de janeiro de 2015
Memórias vivas
Como si fuera un sueno
el peso de tu cuerpo
ilumina a la manana
súbitamente llena de nieve.
Mientras tanto por la calle
siento aún tus besos
masajandome la piel latina
hacia llegar a un destino
que tanto podría ser
un punto de partida (más)
el peso de tu cuerpo
ilumina a la manana
súbitamente llena de nieve.
Mientras tanto por la calle
siento aún tus besos
masajandome la piel latina
hacia llegar a un destino
que tanto podría ser
un punto de partida (más)
Subscrever:
Mensagens (Atom)