Depois de uma longa ausência da minha residência em Hamburgo eis que regresso e deparo-me com um modem incapaz de controlar a sua alegria por me ver, exibindo uma eufórica coreografia de intermitentes luzes verdes e encarnadas. Como bom dono que sou, logo o fui afagar e fiz-lhe juras de um amor e carinho indescritível nas humildes páginas virtuais que aqui vou condensando sem qualquer critério.
Liguei o wifi do telemóvel e descubro que todo o espectáculo pirotécnico era afinal denunciador de uma anomalia e não de felicidade extrema.
Como não sou pessoa de desistir assim às primeiras, resolvi afagá-lo de novo pedindo com carinho que funcionasse.
Não me ouviu e continuou nas suas celebrações multicolores a roçarem um género de ebriedade natalícia.
Ameacei desligá-lo.
Fi-lo mesmo, reiniciando-o sem dó nem piedade.
Nada.
Seguiu-se então o momento que qualquer pessoa sã neste país teme: ligar à assistência técnica da O2. De forma a que os leitores residentes fora da Alemanha possam perceber a dimensão da coisa, devo esclarecer que recebi informações seguras de que a grande coligação que irá governar este país só foi possível quando a senhora Merkel ameaçou os demais parceiros que iria chamar os serviços técnicos da referida empresa caso não se decidissem a formar governo. A isto respondeu então o trauliteiro ministro da Baviera: Passt schon
Liguei, pois. Após terem confirmado que não conseguiam resolver o problema, disseram que teria que receber a visita de um técnico. Confesso que temi o pior: estas coisas na Alemanha são sempre um convite para uma longa espera. No Consulado Português de Hamburgo consegue-se uma marcação no prazo de três meses (quando uma pessoa tem sorte).
Ao contrário do esperado, propuseram-me para o dia seguinte (quinta-feira) em dois períodos distintos: ou entre as 8 e as 14 ou entre as 14 e as 20. Escolhi o primeiro.
Às oito em ponto estava eu já a pé de pequeno-almoço tomado e pronto para qualquer eventualidade. Contudo a eventualidade não ocorreu até às 15 horas. Ligo para o serviço de apoio ao cliente e quando os informei que tal e coiso o técnico não tinha aparecido, agradeceram-me a informação, mas já o sabiam pois o técnico tinha ligado a dizer que estava doente logo pela manhã. Como era quinta-feira, marcaram-me nova visita para segunda.
Eis que segunda chega. Um técnico ofegante de subir os quatro andares que antecedem o meu olha para o modem que continua em permanente festa como se tivesse caído para dentro do caldeirão das anfetaminas quando era bebé, e arranca o cabo da tomada, destruindo-o com uma dedicação extremada. Em seguida olha para mim e diz: o problema é do cabo. Ainda tentei sugerir que talvez fosse do modem em si, mas ele limitou-se a dizer que tinha que comprar um cabo novo.
Como sou um daqueles emigrantes obedientes, peguei na bicicleta e lá fui comprar um cabo, instalando-o sem pudores.
Curiosamente, não resolveu o assunto.
Nova chamada para os serviços técnicos que se prontificaram a enviar um novo modem, jurando que me chegaria às mãos no dia seguinte.
O dia seguinte passou e nada.
Novo dia a amanhecer e nada.
Num inspirado laivo procuro no site da DHL se por acaso havia alguma encomenda com o meu nome em algum lado. Havia. Pois claro que havia. Simplesmente não fui notificado.
Após me ter dirigido ao posto dos correios para ir levantar a encomenda com o modem, chego a casa e o que é que tenho no correio? Pois claro, a notificação que não tinha sido deixada no dia em que a encomenda tinha sido "entregue".
Ao contar esta desventura a um amigo alemão, recebi um leve sorriso de empatia e um: "welcome back to Germany".
Oh yeah, agora, mais do que nunca, sinto que já aterrei de corpo e alma nestas terras hanseáticas.
sábado, 24 de março de 2018
domingo, 11 de março de 2018
Quantos menos sonhos, mais adornos - Mia Couto
Deixar Santarém rumo ao interior do país é um vasto calvário de terras ardidas, de vidas que por ali ficaram perdidas num negro que nos acompanha durante quilómetros e quilómetros que se nos vao adentrando de forma indelével.
Ao fim de um tempo a vontade de fazer a piada fácil sobre o nome de terras como Cabeca Gorda, Benlhevai ou Sarnadas desaparece e dá lugar a um sentimento furioso, tal como será porventura furioso o esquecimento a que estas pessoas se verao rogadas ano após ano, conhecendo apenas uma breve luz de atencao que breve se esfuma.
Com o inverno a tentar impor o seu tino, voltam a desaparecer estes nomes até novo verao. Caso ainda haja algo mais para arder.
Aterrar no interior é respirar fundo e tentar descobrir mais do que só Portugal. É, porventura, descobrir-me a mim mesmo em frases, expressoes, rostos e pedras que ali parecem plantados desde tempos imemoriais como se à espera estivessem que lá fosse com o meu eterno pasmo beber inspiracao directamente de um fonte inesgotável.
Ou nao.
Se ver a Santarém onde cresci desaparecer lentamente em lojas fechadas e prédios abandonados é penoso, este périplo pelo interior do país revelou-me um abandono mais acentuado, mais prédios e casas rogadas ao abandono, assim representando uma queda que julgo sempre ser final até nova visita e novo acentuar da desertificacao.
E com este desertificar, sinto-me eu também a desaparecer, a envelhecer mais depressa num processo desesperancadamente irreversível até que reste apenas a sombra de uma alma e de um ser que a todo o custo vou tentando manter por estas outras terras tao distantes onde vou tentando ser apenas eu dia após dia.
Ao fim de um tempo a vontade de fazer a piada fácil sobre o nome de terras como Cabeca Gorda, Benlhevai ou Sarnadas desaparece e dá lugar a um sentimento furioso, tal como será porventura furioso o esquecimento a que estas pessoas se verao rogadas ano após ano, conhecendo apenas uma breve luz de atencao que breve se esfuma.
Com o inverno a tentar impor o seu tino, voltam a desaparecer estes nomes até novo verao. Caso ainda haja algo mais para arder.
Aterrar no interior é respirar fundo e tentar descobrir mais do que só Portugal. É, porventura, descobrir-me a mim mesmo em frases, expressoes, rostos e pedras que ali parecem plantados desde tempos imemoriais como se à espera estivessem que lá fosse com o meu eterno pasmo beber inspiracao directamente de um fonte inesgotável.
Ou nao.
Se ver a Santarém onde cresci desaparecer lentamente em lojas fechadas e prédios abandonados é penoso, este périplo pelo interior do país revelou-me um abandono mais acentuado, mais prédios e casas rogadas ao abandono, assim representando uma queda que julgo sempre ser final até nova visita e novo acentuar da desertificacao.
E com este desertificar, sinto-me eu também a desaparecer, a envelhecer mais depressa num processo desesperancadamente irreversível até que reste apenas a sombra de uma alma e de um ser que a todo o custo vou tentando manter por estas outras terras tao distantes onde vou tentando ser apenas eu dia após dia.
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