sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Viajar



Viajar. Conhecer novos mundos, alimentar a ilusão de que poderia ser feliz numa qualquer outra vida num qualquer outro lugar. Apaixonar-me perdidamente e sentir uma incontrolável alegria apenas pelo facto de estar vivo e sentir que existo dentro de uma qualquer ficção. Minha. Pessoal. Transmissível a todo um conjunto de pessoas que, de uma maneira ou outra, vivem as minhas viagens no usufruto mais ou menos intenso das minhas palavras. A cada uma das pessoas que narro uma viagem, algo muda. A narrativa nunca é igual, numa infatigável procura de conseguir corresponder às expectativas dos olhos que me fitam. Assim reviajo. Revivo experiências e vidas tornando-as de certa forma imortais nesse imaginário interminável que costuma responder quando o nome que ostenta o meu bilhete de identidade é proferido em voz alta.
Mas há um outro lado.
Habita em mim um receio de que cada nova viagem seja nada mais do que a última. Um pássaro que se resolve violentamente suicidar contra as turbinas do avião que me comporta as ossadas no momento de levantar voo. Um comboio que descarrila depois de ter destroçado por completo o corpo de um qualquer suicida que resolveu generosamente partilhar a sua morte com mais ou menos inocentes passageiros. Um condutor de autocarro que não se poupou nos copos de tinto a fim de conseguir viver com a inevitabilidade que depois de amanhã ainda haverá dia, mais viagens e contas para pagar. Assim resvalarei Arrábida abaixo. Da mesma forma que já resvalei em sonhos para baixo de um carro, incapaz de controlar a minha calorosa bicicleta num qualquer dia de chuva em Hamburgo. Ou espero sine die receber uma bala transviada ao sair de casa no preciso momento em que o meu nariz efectua uma minuciosa análise dos níveis de pólen existentes no ar.
Macabro? Talvez.
Mas viajar implica para mim um risco infinito que é nada mais do que uma outra expressão dessa experiência ao mesmo tempo aterradora e fascinante que é viver.

domingo, 12 de julho de 2015

Das possibilidades da rua

Existe nestas terras que habito a saudável tradicao de quando um se quer livrar de coisas velhas, mete-las na rua com um papel a dizer: oferece-se.
Nao é pois de espantar que aqui e ali se encontrem as ruas povoadas com sofás desgastados pelas unhas de gatos, cadeiras mais coxas do que a minha pessoa a seguir a pouco saudáveis partidas de futebol ou móveis de contraplacado à espera que o tempo (metereológico e o outro mais simbólico da vida) os consumam até à mais ínfima essencia.
Razao?
O facto de se ter que pagar para serem recolhidos.
Assim sendo, os alemaes, tremendas criaturas da noite, abandonam os despojos que lhes complicam a vida sem qualquer tipo de pudor na via pública.
Contudo, por entre as imensas possibilidades que sempre se apresentam, há uma que sempre me agrada e choca ao mesmo tempo: o despojar de livros.
Que o preco de livros em segunda mao chega a ser ridículo ( a biblioteca central vende livros a um euro e o preco em feiras da ladra por cada um costuma rondar os 50 centimos) é algo que às vezes me aflige, mas largar livros de forma gratuita na rua?
Se por vezes lamento nao ter lareira de forma a que possa alimentar com os restos de armários ou estantes, penso se seria capaz de o fazer com livros. A resposta é mais ou menos óbvia e surge como um grito na minha cabeca: Nao! Penso entao se haverá pessoas que o facam aproveitando estas ofertas. Talvez sim. Talvez nao queira pensar muito nisso e continuar a ser um feliz ignorante.
Talvez me sinta no dever de os trazer para casa e alimentar a ilusao de que um dia os irei ler a todos, e que eles me irao alimentar a imaginacao e encher os cantos mais escuros da minha mente.
Ontem, ao regressar a casa trouxe comigo Garcia Márquez, Henning Mankel, uma versao simplificada do Corao e Kundera. Jantei com eles antes de os acomodar na sua nova cama.
Sejam benvindos, meninos


terça-feira, 14 de abril de 2015

Óbito pessoal do senhor Galeano

Durante tempos alimentei uma fantasia secreta de ir a caminhar por uma qualquer rua do mundo e tropecar acidentalmente com Eduardo Galeano. A fantasia foi crescendo quando soube que ele costumava aparecer sem grandes avisos nem publicidades, tal como o fez na acampada em Barcelona (vd. vídeo).
Isto fez-me comecar a olhar para as pessoas com quem me cruzo todos os dias onde quer que seja de outro modo numa busca cega e incessante de o conhecer pessoalmente.
Entretanto fui continuando a conhece-lo de forma literária e por vezes quase obsessiva, como o faco com todas as paixoes.
Na parede do hostel em Lisboa e posteriormente na do café em Hamburgo um pequeno texto idílico dele figurou na parede como uma das mais importantes referencias da minha vida, presente a quase todos os instantes.
Tal como se faz a alguém de quem muito se gosta, apresentei-o às pessoas de quem mais gosto e que me sao importantes.
A cada novo livro seu senti uma excitacao tremenda como se fosse reencontrar o melhor dos meus amigos. durante a sua leitura o meu coracao sorria de emocao com as licoes de humanidade e visoes poéticas de um mundo que nem sempre o consegue ser assim tao agradável. Com ele sorri, chorei, cresceu-me raiva no peito, senti ansiedade, sonhei.
O que me ensinou foi quase tanto como o que os melhores do meus amigos me ensinaram e por isso ontem nao consegui conter o choque quando recebi a primeira mensagem a informar-me de que tinha falecido. A essa primeira mensagem seguiram-se outras a dizer que se tinham inevitavelmente lembrado de mim e de todos eles recebi os votos de um luto sentido, pois no fundo, ontem houve uma parte de mim que morreu.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O Pacheco contra-ataca

da mesma forma como surgiste
apercebo-me de que,
afinal,
nem te vi partir,
deixando-me o estranho sentimento
de que talvez /(mas só talvez)
poderás sempre voltar a surgir

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Memórias vivas

Como si fuera un sueno
el peso de tu cuerpo
ilumina a la manana
súbitamente llena de nieve.
Mientras tanto por la calle
siento aún tus besos
masajandome la piel latina
hacia llegar a un destino
que tanto podría ser
un punto de partida (más)

sábado, 17 de janeiro de 2015

Versao espanhola do Cantico Negro



"Ven por aquí" — me dicen algunos con los ojos dulces
abriéndome) los brazos, y seguros
De que sería bueno que yo los escuchara
cuando me dicen: "ven por aquí!"
Yo los miro con ojos  vagos,
(Hay, en mis ojos, ironías y cansancios)
y cruzo los brazos,
y nunca voy por allí...
Mi gloria es esta:
¡Crear deshumanidades!
No seguir a nadie
— Que yo vivo con el mismo sin-voluntad
Con lo que rasgué el vientre a mi madre
No, !no voy por ahí! Sólo voy por donde
Me llevan mis proprios pasos...
Si al que busco saber ninguno de vosotros me contesta
¿Por qué me repetis: "ven por aqui!"?
Prefiero resbalar en los callejones barrosos,
Remolinar a los vientos,
Como harapos, arrastar los pies sangrientos,
A ir por ahí...
Si  vine al mundo, fue
Sólo para desflorar florestas vírgenes,
¡Y dibujar mis propios pies en la arena inexplorada!
Lo más que hago no vale nada.
Como, pues, seréis vosotros
¿Que me daréis impulsos, herramientas y coraje
Para derribar mis obstáculos?...
Corre, en vuestras venas, sangre vieja de los abuelos,
¡y vosotros amáis lo que es fácil!
Yo amo el Lejano y el  Mirage,
Amo los abismos, los torrientes, los desiertos...
¡Id! Tenéis carreteras,
Tenéis jardines, tenéis camas de flores,
Tenéis patria, tenéis techos,
y tenéis reglas, y tratados, y filósofos, y sabios...
¡yo tengo mi Locura!
La levanto, como un facho, ardiendo en la noche oscura,
y siento espuma, y sangre, y cánticos en los labios...
Dios y el Diablo son los que me guían, ¡nadie más!
Todos tuvieran padre, todos tuvieran madre;
Pero yo, que nunca  empiezo ni acabo,
Nací del amor que hay entre Dios y el Diablo.
Ah, que nadie me dé piadosas intenciones,
¡Nadie me pida definiciones!
¡Nadie me diga: "ven por aquí"!
Mi vida es un vendaval que se soltó,
Es una ola que se elevó,
es un átomo más que se animó...
No sé por donde voy,
No sé para donde voy
¡Sé que no voy por ahí!


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Por estas e por outras razoes nem tive vontade de comecar este artigo com maiúscula.

e de repente comeca o ano sem que uma pessoa sequer se consiga aperceber de tudo o que de repente nos cai em cima. Nao falo do fogo de artifício que os alemaes lancam de forma selvagem na passagem de ano em competicoes selvagens de poder económico com o vizinho.
Falo dos nomes que de repente surgem no horizonte e que cinzentam a minha mente mais ainda do que o céu de Hamburgo. PEGIDA, Charlie Hebdo e o Syriza entre outros tem deixado pouco espaco para acreditar que haverá algo de bom a acontecer num futuro próximo.
Slogans como "Mais batatas e menos kebabs" nas demonstracoes da PEGIDA deixam-me apreensivo. Mas mais me deixa o aperceber-me de que logo se tentam defender do que chamam conspiracao política e pública de os apelidarem de nazis e de os quererem marginalizar na cena social. O facto de ser um movimento que teve o seu início em Dresden está bem longe de ser inocente. O desejo do AfD querer trabalhar juntamente com eles muito menos o é. Nazi talvez seja uma palavra demasiado forte, mas tenho a certeza de que algo de novo está a surgir e isso assusta-me.
Os comentários imediatos após os ataques de Paris nao foram, infelizmente, surpreendentes. assim como também nao o foram os ataques de menor dimensao que se seguiram contra centros islamicos espalhados em Franca, um pouco à semelhanca do que aconteceu no pós-11 de Setembro nos Estados Unidos.
 Mas é sobretudo a nível dos comentários que surge parte da minha actual apreensao. A PEGIDA comenta de forma mais ou menos impune os ataques em Paris com teores racistas. A Comissao Europeia na figura do seu presidente critica a possível escolha de milhoes de gregos nas próximas eleicoes. A senhora Merkel continua a comentar as decisoes políticas dos países do sul da Europa como se do seu quintal se tratasse. 
Tudo isto em nome de valores e uma ordem que ninguém percebe bem qual é. E é em nome dessa mesma qualquer coisa que sinto que as nossas liberdades pessoais estao a comecar a ser cada vez mais limitadas e isso cinzenta-me os horizontes.
Mas se a mim me cinzenta suspeito que enraiveca muitas outras pessoas e que mais coisas acontecam, originando ainda mais comentários infelizes numa espiral que poderá nao ter bom fim, se por acaso a um fim se poderá chegar.
Por estas e por outras razoes nem tive vontade de comecar este artigo com maiúscula.