sexta-feira, 23 de maio de 2014

Recomendo? Talvez... nao.

Situacao:
Um cliente habitual entra no tasco e confiante de que o conheco, recomendo-lhe um livro de banda desenhada onde a personagem principal tem encontros com músicos épicos como o Cohen, o Bowie, o Lennon, etc, etc. Perante o meu entusiasmo ele olha para a capa do livro de relance, diz que aquilo é o Lennon na capa e vira a cara. Passado tres minutos de abandonar os entornos oficiais dos meus dias regressa com um outro livro de banda desenhada e deixa-o no balcao, aconselhando-me a leitura.

Situacao:
Na estacao do Oriente encontro a Dora Guedes que depois do abraco normal de quem encontra um emigrante assim como que por acaso abre a mala e de lá saca um livro que nao recomendei pessoalmente mas que se lembra de me ver ler com considerável entusiasmo. Como consequencia surgiu este texto: http://avelhapagina.blogspot.de/2014/04/da-dignidade-humana.html (que, diga-se, me encheu de orgulho)

Desde a minha entediante adolescencia que senti necessidade de partilhar de forma entusiasmada com as pessoas de quem gostava leituras e música. Impus livros. Impingi álbuns. Desde esses mesmos anos fui aprendendo que muitas das pessoas que receberam livros da minha mao o fizeram por mera cortesia. Os álbuns talvez tenham sido copiados mas sem garantias de que alguma vez tenham sido ouvidos da mesma forma entusiasta com que os tinha imposto. Os livros, quase nenhuns lidos. Como sei?
Ao longo do tempo fui-me apercebendo de que as pessoas se comecaram a esquivar a comentar o que tinham achado das minhas recomendacoes/imposicoes. Que sempre que recomendava alguma destas duas coisas manifestavam um certo desconforto por entre a tal de cortesia. Que tudo isto me conduziu a uma certa desconfianca em relacao às generosas recomendacoes de outras pessoas. Que com tudo isto amadureci reconhecendo que o processo de leitura é algo de plenamente pessoal assim como a audicao de um bom álbum. 
Implica entrega. Dedicacao. Devocao, até, como se de uma relacao amorosa se tratasse. E nestas coisas nao há como aceitar a intromissao de estranhos. Como um amor platónico, comecei a esperar que os estranhos falassem apaixonadamente de alguma coisa e, em segredo, logo iria procurar.
Uma recomendacao directa implica um compromisso que nem sempre estamos dispostos a assumir.
Contudo este meu translado às andancas alemas fez um reset em todas as minhas prévias aprendizagens no que a isto respeito diz (aqui está uma bela construcao alema onde o verbo salta para o fim por causa da construcao do conjuntivo). Por um lado o completo desconhecimento do que ler ou ouvir em alemao. Por outro o afastamento com o que de bom se vai fazendo nas terras que deixei.
Assim se voltam a abrir as minhas portas para recomendacoes, pois às vezes o mundo me parece ser infinitamente... infinito. E belo!

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