Vais beber café
com o pai de uma amiga? Ela é boa?
Confesso que temi
perante o convite. Será que me iria ser
impingida uma seita religiosa? Uma oportunidade de negócio irrecusável do qual
ainda hoje estaria a pagar as dívidas relacionadas com o investimento inicial,
já para nao falar dos subsequentes problemas relacionados com a PJ? Uma ameaca
física relacionada com uma falsa interpretacao de um gesto menos púdico com a
filha dele também pairou no horizonte.
Do encontro num
café perto da faculdade onde fingi estudar trouxe conceitos de Fair Trade,
agricultura biológica e um livro sobre o qual me lancou muitas perguntas. The hitchhiker's
guide to the galaxy foi o eleito e usado como introducao a um outro mundo
(s?) e tema de futuras conversas. Afinal o pai da amiga nao me queria vender
nada. Queria apenas e simplesmente falar. Senti-me tentado a pedir-lhe desculpa
por tamanhas bizarrias terem passado sequer pela minha cabeca. Nao pedi.
Mas nao por falta
de oportunidade. Trocámos emails, referencias, reencontrámo-nos, conversámos
sobre a possível existencia de mundos paralelos. Sobre os malifícios de viver. Sobre música.
Sobre livros que nunca tinha lido. Sobre a possibilidade da realidade ser
irreal e vice-versa. Foram dez anos
inconstantes como só os anos o sabem ser. Mas foram dez anos onde cada encontro
se fazia na redescoberta de uma cumplicidade construída.
O último encontro
lembro-me bem, como soe acontecer nestas ocasioes. O Artur, que entretanto já tinha deixado de ser
o pai da amiga para ter direito a nome e identidade, apareceu no hostel,
jantou, confratermizou e sem conseguir esconder as fraquezas incontroláveis da
doenca que o invadiu, pediu-me desculpa.
Foram estas as
últimas palavras que ouvi da boca dele. Com o aniversário que se seguiu
cumpriu-se um círculo perfeito, como só acontece com aqueles para quem o irreal
é, afinal, realidade.