Existe nesta cidade que acolhe as minhas ossadas geladas um dos museus mais fascinantes que já visitei em toda a minha vida. O Völkerkundemuseum (que se poderá traduzir simplesmente por Museu de Etnologia. Isto esta gente gosta de complicar em termos linguísticos, mas isso não é novidade) apresenta uma coleção invejável de peças oriundas do mais distintos países do mundo nos quais figura orgulhosamente um presépio português.
Depois de na passada sexta-feira ter regressado a fim de conseguir explorar um pouco mais uma casa maori existente numa das alas, resolvi combater o frio implacável que se tem instalado nestas zonas que nem mafiosos na Rússia ou ratazanas no Convento de Mafra. Café, pensei, café.
Vi então um onde na montra pontuavam algumas empanadas aqui muito do meu agrado juntamente com outras iguarias que prometiam aquecer um fim de dia já marcado pela escuridão.
Envergando o capote alentejano que tantas batalhas tem ganho à neve lá me decidi a entrar.
No interior do café pontuavam 2 pessoas: o dono e um tipo de bigode sentado na mesa em frente ao balcão. Depois da casa Maori confesso que o possível silêncio do local não me pareceu demasiado mau. Alturas há em que uma pessoa se vê envolvida de uma tremenda necessidade silêncio a fim de conseguir chegar a fabulosas conclusões sobre o que irá cozinhar para o jantar e outras coisas que tais.
Estando eu a degustar um aprazível rooibos e com uma empanada à frente, eis que me apercebo que são portugueses os meus companheiros e que não se privavam de descrever sangrentas mortes na vida animal utilizando expressões eloquentes como: "...então o sacana do crocodilo pegou na bicha e desfez a puta toda. Aquilo era impressionante! Mas os bichos são assim mesmo. Fodidos."
De certa maneira, e fazendo uso dos meus estudos aplicados de Introdução à Linguística II no já ido ano de 2000, resolvi não me denunciar enquanto patriota daquela gente, mantendo um agradável anonimato de Murakami na mão.
Eis então que o tema de conversa muda subitamente para o capote.O meu capote.
Como poderá o iluminado leitor destas palavras imaginar, a forma de expressão não mudou em demasia, matando de uma só cajadada quase todas as saudades que tinha de Portugal.
À saída fiz questão de pedir a conta em português e como o dono do café me respondeu "sechsundsechzig", resolvi iluminá-los de que o casaco era um capote alentejano e que agradecia os comentários tecidos de forma tão despudorada.
"Já que meti a pata na poça, apresento-me", disse o cliente do café.
"Deixe estar. Não conto voltar. Obrigado"
Lá fora a neve e o frio não me pareceram assim tão más.
sábado, 19 de janeiro de 2013
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
Poema do Pacheco
Não sei que fumo é este
que de Lisboa o trouxe
mas que aqui não sabe ao mesmo.
A chuva que deixo acumular nas minhas lentes
sem vontade nem desejo supremo de as limpar.
joga cartas com o sinal não muda.
Refugiado entre palavras imaginadas
tento desenhar mundos
cada vez mais mudos.
A ilusão cada vez mais forte da vida.
Sorrio de mim para mim
e penso que qualquer dia
serei bem capaz de começar a viver.
que de Lisboa o trouxe
mas que aqui não sabe ao mesmo.
A chuva que deixo acumular nas minhas lentes
sem vontade nem desejo supremo de as limpar.
joga cartas com o sinal não muda.
Refugiado entre palavras imaginadas
tento desenhar mundos
cada vez mais mudos.
A ilusão cada vez mais forte da vida.
Sorrio de mim para mim
e penso que qualquer dia
serei bem capaz de começar a viver.
Demanda imobiliária
Tendo então sobrevivido de forma épica àquele primeiro confronto de dimensões bíblicas eis que me apronto para enfrentar a segunda resolução de ano novo.
Procura de casa.
Depois de devidamente pesquisado e documentado através de fiéis sites na internet, lá recebi duas propostas de visita em sítios algo insuspeitos desta cidade que me alberga. Digo insuspeitos que isto também convém não puxar já dos galões e exigir uma casa junto ao Alster como seria de bom tom para pessoas do meu nível. Portanto, lá esperei ser recebido com bolachinhas e licores para compensar os vapores do metro que tive que apanhar para alcançar a tal casa.
De forma a bater a famosa pontualidade germânica e dar-lhes uma verdadeira lição de civilidade, cheguei 6 minutos antes de forma a poder fazer um reconhecimento do bairro. Um cinema de nome Paradiso e com filmes fora do circuito comercial, vários armazéns de produtos de construção, uma rua com 6 faixas de rodagem e um fatal Edeka (cadeia de supermercados onde os empregados rivalizam em simpatia com os do Minipreço da Penha de França) pareceram-me atributos mais do que suficientes para colocar o bairro desde logo no meu coração .
E espanto meu quando vi uma fila de pessoas à porta do número 271. Devem estar a dar rebuçados ou houve um acidente, certeza certezinha, pensei de forma ingénua.
Não. Era mesmo uma fila de pessoas para ir ver a casa. Sorri e lá vi a casa aos empurrões com uma senhora turca dos seus 70 anos acompanhada por um filho sem unhas, uma rapariga de nariz empinado e os donos que pareciam ser estrelas do cinema local. Percebi tal afluência pois não é todos os dias que se pode viver numa casa iluminada gratuitamente por painéis de publicidade de uma empresa de construção.
Um pouco mais isolado, havia um outro apartamento. Mas quando digo isolado, digo que o café mais próximo estaria a uns bons 15 minutos a pé e a estação de metro a uns 20. Aqui não vem ninguém, pensei. Mentira. 7 pessoas, para além do facto de os donos da casa nos terem obrigado a tirar os sapatos antes de entrarmos, fazendo o hall de entrada rivalizar com a Feira de Carcavelos em dias de sol.
Se assim foi com duas casas em zonas pouco confortáveis, quis o destino que o dia seguinte me reservasse uma casa em zona bem catita e com preço convidativo. Sendo um segundo andar, apenas posso dizer que quando saí da visita, havia fila até à entrada do prédio...
Enquanto descia as escadas, não consegui deixar de sentir o olhar de semi-ódio de todas as pessoas que esperavam a sua vez e que me olhavam como potencial inimigo e/ou (riscar o que não interessa) concorrente, que isto os alemães não são pessoas que escondam os seus sentimentos.
Procura de casa.
Depois de devidamente pesquisado e documentado através de fiéis sites na internet, lá recebi duas propostas de visita em sítios algo insuspeitos desta cidade que me alberga. Digo insuspeitos que isto também convém não puxar já dos galões e exigir uma casa junto ao Alster como seria de bom tom para pessoas do meu nível. Portanto, lá esperei ser recebido com bolachinhas e licores para compensar os vapores do metro que tive que apanhar para alcançar a tal casa.
De forma a bater a famosa pontualidade germânica e dar-lhes uma verdadeira lição de civilidade, cheguei 6 minutos antes de forma a poder fazer um reconhecimento do bairro. Um cinema de nome Paradiso e com filmes fora do circuito comercial, vários armazéns de produtos de construção, uma rua com 6 faixas de rodagem e um fatal Edeka (cadeia de supermercados onde os empregados rivalizam em simpatia com os do Minipreço da Penha de França) pareceram-me atributos mais do que suficientes para colocar o bairro desde logo no meu coração .
E espanto meu quando vi uma fila de pessoas à porta do número 271. Devem estar a dar rebuçados ou houve um acidente, certeza certezinha, pensei de forma ingénua.
Não. Era mesmo uma fila de pessoas para ir ver a casa. Sorri e lá vi a casa aos empurrões com uma senhora turca dos seus 70 anos acompanhada por um filho sem unhas, uma rapariga de nariz empinado e os donos que pareciam ser estrelas do cinema local. Percebi tal afluência pois não é todos os dias que se pode viver numa casa iluminada gratuitamente por painéis de publicidade de uma empresa de construção.
Um pouco mais isolado, havia um outro apartamento. Mas quando digo isolado, digo que o café mais próximo estaria a uns bons 15 minutos a pé e a estação de metro a uns 20. Aqui não vem ninguém, pensei. Mentira. 7 pessoas, para além do facto de os donos da casa nos terem obrigado a tirar os sapatos antes de entrarmos, fazendo o hall de entrada rivalizar com a Feira de Carcavelos em dias de sol.
Se assim foi com duas casas em zonas pouco confortáveis, quis o destino que o dia seguinte me reservasse uma casa em zona bem catita e com preço convidativo. Sendo um segundo andar, apenas posso dizer que quando saí da visita, havia fila até à entrada do prédio...
Enquanto descia as escadas, não consegui deixar de sentir o olhar de semi-ódio de todas as pessoas que esperavam a sua vez e que me olhavam como potencial inimigo e/ou (riscar o que não interessa) concorrente, que isto os alemães não são pessoas que escondam os seus sentimentos.
sábado, 5 de janeiro de 2013
Resoluções de 2013
Depois de ter conseguido sobreviver à verdadeira esquizofrenia de petardos e fogo de artifício por causa das festividades de ano novo, resolvi começar a ponderar seriamente nas resoluções do novo ano.
A primeira prendeu-se claramente com a inscrição num curso de alemão a fim de finalmente começar a vencer as barreiras linguísticas que ainda me fazem sorrir quando me ofendem na rua ou repetir ad nauseam a fatal pergunta de "noch einmal, bitte".
Movido por uma superior energia, lá me arrastei para uma tal de Deutsche Akademie que anunciava no metro preços imbatíveis. Depois de ter sido recebido por uma criatura que não conhecia a palavra sorriso e muito menos aquela outra de simpatia, perguntei se podia fazer um teste para saber o meu nível.
Seguindo um rigoroso e escrupuloso protocolo definido pelas altas patentes militares do antigo Alto Volta, indicou-me uma sala e apontou para um amontoado de canetas enquanto me estendia umas folhas. Lá respondi a meia dúzia de questões da melhor maneira que sabia, tentando-me lembrar das mais elementares formas de saudação em alemão que não envolvessem palavras de cariz ofensivo.
Acabado o teste, voltei a deparar-me com o tal de sorriso supracitado, passando desde logo a criatura a conferir as respostas. E não foi preciso muito para me voltar a olhar com aquele olhar encantador e afirmar que eu falava alemão.
Disse que só assim um bocadinho daqui ate ali e ela vai de me passar novo teste e atirar-me de novo para a reclusão de uma sala tendo apenas as canetas como companheiras. Desta feita o teste era bem mais complicado, tendo-me dado uma soberana vontade de escrever que não fazia ideia e que isto com uma mímica mais aplicada ia lá numa situação do quotidiano.
Depois de verificadas as respostas, la me pôs num A2 e começou a explicar o contrato que teria de assinar para me inscrever, referindo-me de forma assertiva que o papel de frequência do curso não servia para questões relacionadas com o visto de permanência no país. Ainda pensei em responder que talvez fosse isso problema que não me preocupava, mas eu estava já com alguma fomeca e resolvi calar-me, pagar e procurar um qualquer sítio decente para comer algo típico de terras alemãs de forma a celebrar esta intrépida decisão.
Uma vez na rua e enfrentando a beleza e amenidade meteorológica hamburguesa, lá acabei por me enfiar num restaurante turco e sentir-me verdadeiramente alemão durante uns bons 5 minutos.
Mas nada nem ninguém me tinha avisado de como ia ser visitar uma casa nova para arrendar, resolução numero dois para este ano novo.
Mas isso já vos narrarei de forma imparcial como é meu apanágio.
A primeira prendeu-se claramente com a inscrição num curso de alemão a fim de finalmente começar a vencer as barreiras linguísticas que ainda me fazem sorrir quando me ofendem na rua ou repetir ad nauseam a fatal pergunta de "noch einmal, bitte".
Movido por uma superior energia, lá me arrastei para uma tal de Deutsche Akademie que anunciava no metro preços imbatíveis. Depois de ter sido recebido por uma criatura que não conhecia a palavra sorriso e muito menos aquela outra de simpatia, perguntei se podia fazer um teste para saber o meu nível.
Seguindo um rigoroso e escrupuloso protocolo definido pelas altas patentes militares do antigo Alto Volta, indicou-me uma sala e apontou para um amontoado de canetas enquanto me estendia umas folhas. Lá respondi a meia dúzia de questões da melhor maneira que sabia, tentando-me lembrar das mais elementares formas de saudação em alemão que não envolvessem palavras de cariz ofensivo.
Acabado o teste, voltei a deparar-me com o tal de sorriso supracitado, passando desde logo a criatura a conferir as respostas. E não foi preciso muito para me voltar a olhar com aquele olhar encantador e afirmar que eu falava alemão.
Disse que só assim um bocadinho daqui ate ali e ela vai de me passar novo teste e atirar-me de novo para a reclusão de uma sala tendo apenas as canetas como companheiras. Desta feita o teste era bem mais complicado, tendo-me dado uma soberana vontade de escrever que não fazia ideia e que isto com uma mímica mais aplicada ia lá numa situação do quotidiano.
Depois de verificadas as respostas, la me pôs num A2 e começou a explicar o contrato que teria de assinar para me inscrever, referindo-me de forma assertiva que o papel de frequência do curso não servia para questões relacionadas com o visto de permanência no país. Ainda pensei em responder que talvez fosse isso problema que não me preocupava, mas eu estava já com alguma fomeca e resolvi calar-me, pagar e procurar um qualquer sítio decente para comer algo típico de terras alemãs de forma a celebrar esta intrépida decisão.
Uma vez na rua e enfrentando a beleza e amenidade meteorológica hamburguesa, lá acabei por me enfiar num restaurante turco e sentir-me verdadeiramente alemão durante uns bons 5 minutos.
Mas nada nem ninguém me tinha avisado de como ia ser visitar uma casa nova para arrendar, resolução numero dois para este ano novo.
Mas isso já vos narrarei de forma imparcial como é meu apanágio.
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