sábado, 17 de dezembro de 2011

De gentes

Uma das grandes dúvidas que sempre me assalta quando recebo um novo cliente é "Quem és tu?"
Por muitos papéis que uma pessoa peça, isso acaba por não responder a nada de muito concreto pois ao fim de mais de ano e meio, talvez possa garantir que já tenha visto coisas soberbas, impressionantes, inenarráveis até que não teriam cabimento em papéis com selos oficiais. Poderei concluir que cada pessoa é diferente das demais, mas no meio disto tudo há padrões que começam a surgir: tirando gloriosas excepções (até ao momento apenas uma), todas as pessoas que pedem para ficar durante períodos mais alargados têm alguma particularidade que as torna em seres a evitar, quais testemunhas de Jeová à porta de Santa Apolónia.
Desde o épico besugo, referido nos primeiros posts deste blogue, passando pelo belo Max (também por aqui referido) até ao famoso Álvaro que, no auge dos seus 50 anos, dormia pelado num quarto recheado de jovens meninas ou o norueguês John que, a qualquer hora do dia ou da noite, poderia ser encontrado de cerveja na mão e cigarro na boca na zona do poço, todos eles eram capazes de ser nomeados como cromos dourados quase impossíveis de encontrar, até mesmo nos simpáticos senhores que a essa faina se dedicam à porta da estação do Rossio.
Pois é então que o final de Outubro me traz uma delicada senhora dos seus 57 anos.
Ao início tudo bem, excluindo uma ou outra conversa mais alongada sobre a sua débil saúde ou o estado do país. Mas pouco tempo foi preciso para que outras conversas começassem a surgir: De como tinha sido expulsa do sistema de ensino, de como o filho lhe foi tirado em plena pousada da juventude de Santarém por polícias pagos pelo ex-marido ou de como lhe encheram as paredes de merda (cito textualmente) em plena cidade do Porto.
Daí até às acusações de que a queriam matar no hostel pelo facto de se ter varrido o chão antes mesmo de ela passar e haver um levantamento de pó semelhante à onda que se levantou do Tejo em 1755 ou de que eu, exilado momentariamente em Tenerife, tinha enviado ordens específicas para que um casal polaco que nunca vi na minha vida "praticasse o sexo " com o intuito de não a deixar dormir, foi um passo mais pequeno do que desta página do blogger até ao facebook.
E no dia em que chegou qual revolucionária francesa interrompendo o meu mais matinal chá a vociferar em plenos pulmões que estava a ser impedida de dormir enquanto preparava o pequeno-almoço, decidi convidá-la a sair nesse preciso instante. Dei-lhe uma hora para arrumar as suas coisas. Quando essa hora findou, ela surgiu, armada de óculos de sol a afirmar que não saía e que ia eu fazer perante tal situação. Anunciei em voz pousada que iria pôr as coisas dela na rua e, enquanto virava costas, ela correu hostel fora, barricando-se numa academia de música no outro lado da rua. Chamou a polícia e desapareceu. A última notícia que tive dela foi no dia seguinte, quando me ligou a dizer que viria buscar as coisas com duas testemunhas. "Com certeza, respondi". Não veio. Passou já quase uma semana depois disto e resolvi abrir o cacifo. Por entre roupas e papéis, muitos papéis e sacos de plástico, um papel de selo oficial se destacou: Mandado de Condução a um hospital psiquiátrico na cidade do Porto.
Às vezes os papéis até que conseguem resumir bem quem temos à nossa frente

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Los Silos

Sorrio.
Sentado na esplanada que preenche a praça principal de uma paradisíaca terra do norte de Tenerife, sou abordado por um enorme sorriso de criança que me lança um " A mí me gusta mucho el pan con mantequilla!".
A culpa disto é da Maria Alberta Menéres e do seu delicioso texto Uma história bem contada" (http://marhei.podbean.com/)
Este talvez tenha sido apenas o primeiro de um conjunto de acontecimentos que me fizeram regressar às lusas ruas da capital com um sorriso de tal forma estranho que não terá passado despercebido à brigada de bêbedos que ocupa a porta do Alves dia após dia, aos pouco sorridentes funcionários do Minipreço, ao Hugo do Boteco ou até à dona Maria do quiosque dos jornais junto à paragem do 28.
Nestes dias por Tenerife ganhei uma sobrinha de origem argentina, reencontrei Primo Viti (que tanto me ajudou a ser quem hoje sou), soube da eminente morte de Juan, de tantas e tão sábias palavras e de sotaque canário a roçar o imperceptível, bebi mais leche leche do que é permitido pela OMS, comi potaje con gofio, contei estórias a uma costureira enquanto ela dava os últimos retoques numa camisa canária que encheu a minha alma de orgulho, tive em mim postos os olhos de alguns dos narradores que mais admiro (ai nervos, ai nervos), comi papas arrugadas con mojo picón, ouvi uma conferência de um ex-aluno do meu pai nos anos 70, bebi dorada, contei estórias para 5 pessoas na intimidade electrizante de uma sala de estar de "balconada" canária, falei de Lisboa, fui procurado à uma da manhã para que o empregado de mesa da supracitada esplanada me oferecesse um licor caseiro de higo pico, fui procurado pela dona de uma loja que cirandou meio povoado com o meu telemóvel na mão com a bateria devidamente carregada, fui entrevistado por duas rádios, conheci pessoas incríveis, tive saudades de pessoas com quem queria partilhar aqueles momentos incríveis, tive saudades de pessoas com quem já não é possível partilhar aqueles momentos incríveis, comi queso blanco (que riiiiiico!!!!!!), mas, sobretudo, ganhei um sorriso que não passou despercebido às pessoas desta Graça aonde regressei.
A todos os responsáveis por este sorriso,

MUITO OBRIGADO

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

De palavras em palavras

"Suele ocurrirme, las palabras me fascinan, me enamoran, me enferman, me golpean, me trasnochan, me hacen alucinar..."

Obrigado Nicolás.
Talvez também tenha que agradecer a todos os que, durante estes últimos quase trinta anos me têm alimentado a cabeça com palavras, pois ainda é o único que me vai conseguindo alimentar desde sempre e não há crise que afecte esta fome.
Daí ter ido até à Polónia em busca de palavras impronunciáveis por pessoas que nasceram em países onde o sol brilha como deve ser. Começando por opowiadanie, que muitas vezes soa a estranho até para os próprios locais... You do what?, perguntam. Com sorriso latino, expliquei infinitas vezes o que era, enquanto os doutrinava sobre a forma correcta de pronunciar Uwagaaaaaaaaaa, após ter descoberto que era palavras de origem japonesa.
Os locais respondiam as estes delírios com convites para Piwo, Wodca, Wino e outras bizarrias locais. Em Portugal, costumo ser escorraçado. Há que gostar dos polacos, penso.
No frio de Wroclaw pude caminhar sob uns simpáticos -2º e ao lado de um paquiderme de robusta constituição física que não hesitou em mostrar os braços cheinhos de Bigos enquanto afirmava de forma convicta que em Cracóvia estavam -12º e que o Outono era bem ameno por aquelas terras. Sedutor, pensei.
As poucas partes da minha cara ainda capazes de mover acenaram em reverente concordância. Logo me arrependi ao sentir que o meu nariz caiu perante a passagem de um belo de um eléctrico de inspiração soviética. Nesse momento percebi o Gogol e as questiúnculas com o nariz.
Não fosse uma sacrossanto grzane wino (vulgo vinho quente capaz de nos aquecer o coração e outras coisas, evitando problemas de saúde algo chatos como a gangrena) e não estaria aqui a escrever estas palavras.
Palavras, palavras, palavras...
Entre a fabulosa experiência de ter tido um cachorrito a fazer necessidades nas minhas calçasLink 10m antes de sessão de contos no Muzeum Bajek até ter levado reprimenda de olhares (os polacos são gente de boa e severa educação) por ter chegado 3 minutos atrasado a um encontro, posso-vos dizer que nunca tirei tão poucas fotos devido ao desejo de sobrevivência que me fazia não tirar as mãos dos bolsos.
Survival of the fittest, disse o Herberto. Beto, para os mais próximos.
Gostaria de dizer que vim da mesma maneira que fui, mas não. Vim com a experiência cheia de frios, sabores, cheiros, alguns zlotys, mas sobretudo, vim mais pessoa.
Dzięki!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Sketch 2

Mi abuelo no me contaba cuentos. Mi abuela no me contaba cuentos. Mi madre y mi padre tampoco.

Tuve sí, un padre que todos los días me contaba la vida de gente y sitios fantásticos que yo nunca creía que fuesen reales. Cosas para engañar niños, pensaba para mis adentros.

Había la de un jugador fabuloso de basket al que llamaban de “hormiga”, de un médico que era un delantero tremendo y que no cobraba a las personas más humildes por sus servicios y, incluso, la de una isla donde un lado era un desierto inmenso y del otro llovía todos los días, volviéndola verde como solo los sueños consiguen producir.

Para comprobar esta última estória, que de todas era la que yo menos creía, me enseñaba una negra caja de plástico llena de cigarros que mi madre tiró en la edad, esa en que creemos y queremos ser adultos sin saber lo que es, una botella de ron miel que sólo sería abierta en la boda de mi hermana y que nunca fue abierta pues mi padre ya no estaba y a mi hermana no le gusta el alcóhol y una foto de mi padre cerca de un tal de Teíde que desde niño me habían dicho que era un volcán. Pero yo veía un desierto. Sin verde. Sin la lluvia que me contaba que había. Sin nadie alrededor ¿Como creerlo entonces?

Me dijo el tiempo que ese tal Hormiga existió, que había un médico, delantero de puta madre de la Académica sigue vivo y que esa isla mágica, ¡jo!, existe!!! Y con gente dentro. Gente que toma café leche leche, bebe Dorada, coge guaguas, come carne con papas, pero, sobretodo, con gente apasionante que me hace recordar que hay magia en el aire y que hay que respirarla, vivirla y contarla. Gente que me hace recordar que mi padre talvez siga por ahí en islas mágicas ayudándome a alimentar estos cuentos que hoy os he traído aquí.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sketch

Al revés de otros cuenteros, yo no puedo decir que tuve una abuela, abuelo, madre, padre que me contaran cuentos en escenarios más o menos idílicos.

Tuve sí, un padre que todos los días me contaba la vida de gente y sitios fantásticos que yo nunca creía que fuesen reales. Había la de un jugador fabuloso de basket a quien llamaban de “hormiga” de lo pequeño que era, de un médico que era un delantero tremendo y que no cobraba a las personas más humildes por sus servicios y, incluso, la de una isla donde de un lado era desierta y del otro llovía todos los días, volviéndola verde como solo los sueños consiguen producir.

Para comprobar esta última estória, que de todas era la que yo menos creía, me enseñaba una negra caja de plástico llena de cigarros, una botella de ron miel que sólo sería abierta en la boda de mi hermana (a mí provocando celos inmensos) y una foto dél cerca de un tal de Teíde que desde niño me fue dicho que era un vulcano. Pero yo veía un desierto. Sin verde. Sin la lluvia que me contaba que había. Sin nadie alrededor ¿Como creerlo entonces?

La caja de cigarros fue tirada a la basura para evitar que yo empezara a fumar en la edad, esa, en que todos tenemos ganas de ser adultos sin que lo seamos o comprendamos lo que quiere decir eso.

La botella sigue cerrada como antes, pues a mi hermana no le gusta el alcohol y mi padre ya no estuve en su boda.

Y la isla mágica, ¡jo!, existe!!! Y con gente dentro. Gente que toma café leche leche, bebe Dorada, coge guaguas, come carne con papas, pero, sobretodo, con gente apasionante que me haz recordar que hay magia en el aire y que hay que respirarla, vivirla y contarla. Gente que me haz recordar que mi padre talvez siga por ahí en islas mágicas ayudándome a alimentar estos cuentos que hoy os he traído aquí.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Gali-andalu

Ainda estava eu com os olhos a nadarem cheios de Giralda e já o meu rocinante rolava pelas longas e intermináveis estradas de uma Andaluzia que ameaçava amanhecer sob um sol escaldante e impiedoso,quando resolvi parar em Estepa, seduzido pelo seu castelo de terra perdida, fazendo-me sonhar acordado com Cervantices e um pequeno-almoço descansado após noite sevilhana de calores e vapores intensos.
Parado o meu rocinante de origem francesa, debatendo-me ainda com questões morais relacionadas o fecho da Renault de Setúbal nos anos 90, sentei-me numa esplanada, tendo pedido uma épica tostada con mantequilla y un café con leche, graças aos desgraçados níveis de qualidade do café espanhol.
Tragava eu este pequeno-almoço que mais era desayuno que outra coisa, disfarçando a qualidade do café con galeanas palavras, quando fui interpelado por um homem dos seus quarentas anos:
No me lo creo! Hay alguien en Estepa que está leyendo a Galeano! Es turista? (Peço o favor de porem um sotaque andaluz a esta minha vergonhosa tentativa de escrever em espanhol)
Repliquei a este espanto com um "Sou tuga. E 'tou de passagem para Valencia onde me vou encontrar com o Vicente. E há dias em que gosto muito de Galeano" - Aqui peço o favor de imaginarem o meu pleno sotaque ribatejano, que fez este meu interlocutor abrir os olhos em espanto e deixar-me de novo em mundos literários com um: "Sigue Galeano dando magia a la realidad".
Nem sabes quanto tens razão...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Tusto alheio

Sendo este um negócio que tantas vezes sobrevive dos tustos contados de pessoas dos mais diversos cantos deste nosso universo, tenho tido o prazer imenso de ver as mais diversas atitudes perante a vida.
Pessoas que lutam por dormir no chão, que discutem preços de dormidas ao ridículo do cêntimo, que não hesitam em ir a pé da Graça a Belém para poupar 1,05€, são várias e todas elas fabulosas, mas não se comparam à brutal luta por comida na prateleira da cozinha destinada a tudo o que se quer partilhar.
A violência e voracidade atingem níveis tais que o mais incauto dos transeuntes cedo fica com medo de ter pedaços do seu corpo arrancados e cozinhados entre cheirosos refogados de cebola e água.
É, pois, neste contexto que não consigo deixar de citar dois dos mais brilhantes exemplos que por aqui passaram:
1) corria o chuvoso mês de novembro, quando bate à porta um indivíduo caucasiano de quase dois metros com os olhos a brilharem perante a possibilidade de uma noite longe do frio e das contrariedades temporais que novembro sempre traz.
Apresentado ao hostel e largada a mochila de tamanhos vikingos, dou com ele a fazer uma lista exacta de tudo o que nas prateleiras habitava, convidando-me em seguida para ir com ele ao minipreço. Acedi com a curiosidade única que me habita desde que o Benfica ganhou o campeonato tendo Neno como guarda-redes.
Uma vez no minipreço tive o prazer de assistir ao brilhante desenrolar de cálculos sobre calorias mínimas para sobreviver vs preço dos produtos, tendo assistido à poderosa decisão de comprar uma lata de feijão encarnado e um pacote de lentilhas num total de 86 cêntimos. Claro está que perante tal gasto, tive que ser vítima do comentário de que Portugal, afinal, não era um país assim tão barato. Lamento, respondi-lhe. Se quiseres dou-te a morada do turismo de Portugal ou do ministério da Economia para que possas propor medidas de exploração miserável que nos aproximem da China ou um qualquer outro país catita de se viver.
Assustei-me quando o vi ponderar nestas minhas propostas.
Mais me assustei quando o vi cozinhar de forma dolorosa as lentilhas sem terem sido demolhadas. Quando com ele partilhei a milenar sabedoria de que as lentilhas têm que ser demolhadas umas tantas quantas de horas ants, ele não deixou de largar um scheisse!, lamentando a má-sorte que o tinha acossado.
Pfff, desperdiçar dinheiro assim com a crise que para aí anda, pensei eu, enquanto lhe punha uma mão no ombro, quase dando aquela estranha e quente sensação de compaixão.
Nesse dia, vi-o comer arroz integral de origem polaca, feijão vermelho, 1 caldo knorr de carne e ketchup.
Horrorizados?
2) Ontem vi uma indivídua a comer esparguete com sal.
A prateleira estava quase vazia.