Viajar. Conhecer
novos mundos, alimentar a ilusão de que poderia ser feliz numa qualquer outra
vida num qualquer outro lugar. Apaixonar-me perdidamente e sentir uma
incontrolável alegria apenas pelo facto de estar vivo e sentir que existo
dentro de uma qualquer ficção. Minha. Pessoal. Transmissível a todo um conjunto
de pessoas que, de uma maneira ou outra, vivem as minhas viagens no usufruto
mais ou menos intenso das minhas palavras. A cada uma das pessoas que narro uma
viagem, algo muda. A narrativa nunca é igual, numa infatigável procura de
conseguir corresponder às expectativas dos olhos que me fitam. Assim reviajo.
Revivo experiências e vidas tornando-as de certa forma imortais nesse
imaginário interminável que costuma responder quando o nome que ostenta o meu
bilhete de identidade é proferido em voz alta.
Mas há um outro
lado.
Habita em mim um
receio de que cada nova viagem seja nada mais do que a última. Um pássaro que
se resolve violentamente suicidar contra as turbinas do avião que me comporta
as ossadas no momento de levantar voo. Um comboio que descarrila depois de ter
destroçado por completo o corpo de um qualquer suicida que resolveu
generosamente partilhar a sua morte com mais ou menos inocentes passageiros. Um
condutor de autocarro que não se poupou nos copos de tinto a fim de conseguir
viver com a inevitabilidade que depois de amanhã ainda haverá dia, mais viagens
e contas para pagar. Assim resvalarei Arrábida abaixo. Da mesma forma que já
resvalei em sonhos para baixo de um carro, incapaz de controlar a minha
calorosa bicicleta num qualquer dia de chuva em Hamburgo. Ou espero sine die
receber uma bala transviada ao sair de casa no preciso momento em que o meu
nariz efectua uma minuciosa análise dos níveis de pólen existentes no ar.
Macabro? Talvez.
Mas viajar implica
para mim um risco infinito que é nada mais do que uma outra expressão dessa
experiência ao mesmo tempo aterradora e fascinante que é viver.