Aquando das grandes decisoes sobre o futuro os meus pais (ambos professores) deixaram-me um vivo conselho que a minha irma ignorou, revelando-se assim a grande rebelde da família: Faz o que quiseres, mas nao te tornes professor!
Como bom filho disciplinado que sempre fui, assim o fiz.
Contudo, isso nunca me impediu de trabalhar de perto com escolas num género de toca e foge desta vida adulta que me atingiu sem que realmente o quisesse. Depois da Biblitoeca de Grandola e dos programas de leitura, seguiram-se os contos de forma mais autónoma, as formacoes para professores em Portugal e no Estrangeiro sempre numa relacao ao mesmo tempo estranha e familiar.
Assim sendo, nao terá sido de espantar que esta semana tenha regressado à escola.
Depois de um telefonema a intimidar-me a apresentar-me às 8 da manha (intimidacao é a única coisa que funciona comigo a tais matutinas horas) numa escola, lá fui conduzido e apresentado a uma escola primária. Depois de ter sido literalmente vendido à directora da escola enquanto elemento valioso para o acompanhamento escolar de uma criatura com problemas de indisciplina, vi-me perante perante o S. 11 anos, olhos azuis cheios de tédio e um cabelo espevitado, consegui desde logo arrancar um simpático: Tu tens que aprender mais alemao, ou que?
A escola que me foi atribuída é uma escola para criancas "especiais" que, por uma ou outra razao, nao conseguem figurar no sistema de educacao da livre e hanseática cidade de Hamburgo. Turmas de 14 alunos. Todas as portas se encontram trancadas, tendo apenas os adultos uma cópia da chave mestra, adquirida desde logo junto do senhor que se encarrega da manutencao dos edifícios. Moin, diz-me, enquanto mostra toda uma panóplia de possibilidades de porta-chaves com os mais diversos elementos alusivos ao St. Pauli (clube assaz conhecido pelos seus simpáticos tiffosi).
Por entre o caos de um início de ano lectivo lá comeco a minha funcao de tutoria (schulbegleitung em alemao) do pequeno S. Aos incidentes da sala de aula, onde a palavra "merda" é tolerada pelos professores como sendo algo normal, seguem-se os incidentes no exterior. Nesta primeira semana já tive oportunidade de separar dois adolescentes que partilhavam alegres agressoes e trocas de ameacas e procurar de forma mais ou menos intensiva o paradeiro de duas criaturas que simplesmente nao queriam ir à aula de música.
Às provocacoes constantes do pequeno S. dentro da sala de aula, seguem-se os convites para partilhar os intervalos com ele e ouvi-lo discorrer sobre cartas de Pokemon, futebol e pequenas aulas privadas de alemao. Nao é "dich", é "dir", repete incessantemente à medida que vou falhando dativo e acusativo de forma flagrante. A cada "danke" que lhe respondo, revela sempre uma certa estranheza a estas cortesias de tom latino que vou proferindo. Talvez a latinidade seja um caminho a seguir.
As estórias, de certeza. Hoje contei-lhe a primeira e nao consegui deixar de me surpreender com os olhos azuis depositados nas palavras que me iam tremulamente saindo. No final convidou-me para comer waffles caseiros e ajudá-lo a ordenar as cartas de Pokemon por ordem alfabética, assim prescindindo do intervalo ao ar livre.
Quando me despedi com um "até amanha" no início do segundo bloco de aulas, perguntou-me de forma provocadora se tinha mesmo que regressar no dia seguinte. Tut mir leid, respondi. De regresso recebi um"Nicht schlimm" (Nao é mau) e um sorriso.
E de sorriso na cara deixei a escola preparando mentalmente para mais um dia.
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
domingo, 24 de agosto de 2014
Vida Ficcional
No outro dia foi-me imposto um livro. Toma. Le.
Tremi.
Olhei para a capa e tremi ainda mais ao aperceber-me que nao se tratava de ficcao. Uma coisa foi o tremer incontrolável que senti quando o bibliotecário do Cervantes me encheu as maos com Onetti, Conto Espanhol do Pós-Guerra, Ana María Matute, Benedetti, Seleccao de contos equatorianos, Galeano, Luís Mateo Diez apenas para nomear alguns. Outra coisa é imporem-me um livro de nao-ficcao.
Fazendo um pequeno retrocesso temporal, acho que o último livro de nao-ficcao que li de forma livre (excluindo assim o livro de regras sobre higiene alimentar em alemao ou os diversos livros de linguística dos tempos universitários) terá sido Nietszche, numa tentativa de partilhar o entusiasmo contangiante com que o Goncalo (criatura de cariz mitológico de nacionalidade scalabitana que ainda hoje define a minha nocao de amizade) lia as suas obras. Isto há coisa de uma década atrás (bonita idade esta que tenho em que já comeco a medir o tempo em questao de décadas).
Sentindo a obrigacao de passar os meus olhos por textos (vd. http://narralhices.blogspot.de/2014/05/recomendo-talvez-nao.html) de um senhor ingles que nos tenta ensinar a viver numa cópia frágil da realidade quotidiana, nao consegui nunca esconder o tédio e até uma certa revolta quando alguma frase mais acertiva me entrava pupilas dentro. A afirmacao de realidades e a consequente tentativa de imposicao de uma forma de viver ou de uma realidade absoluta tem-me causado cada vez maior desconforto.
O drama do senhor Feliciano em El día de las puertas cerradas (http://www.amazon.com/El-Dia-Las-Puertas-Cerradas/dp/B002DID1NA) do Equatoriano Oswaldo Encalada Vasquez modela os meus padroes de vida muito mais do que qualquer conselho directamente dado. E isto tudo tendo em conta que estou a viver na democrática Alemanha onde o conceito de liberdade pessoal é algo confuso e, de certo modo, definido por uma estrutura de interesses económicos que coloca a Seguranca Social portuguesa na categoria de infanto-juvenil.
Respirando fundo, olho para o típico céu cinzentao de Hamburgo, ponho as maos à volta da chávena de chá e regresso à ficcao sem data definida para dela sair.
Tremi.
Olhei para a capa e tremi ainda mais ao aperceber-me que nao se tratava de ficcao. Uma coisa foi o tremer incontrolável que senti quando o bibliotecário do Cervantes me encheu as maos com Onetti, Conto Espanhol do Pós-Guerra, Ana María Matute, Benedetti, Seleccao de contos equatorianos, Galeano, Luís Mateo Diez apenas para nomear alguns. Outra coisa é imporem-me um livro de nao-ficcao.
Fazendo um pequeno retrocesso temporal, acho que o último livro de nao-ficcao que li de forma livre (excluindo assim o livro de regras sobre higiene alimentar em alemao ou os diversos livros de linguística dos tempos universitários) terá sido Nietszche, numa tentativa de partilhar o entusiasmo contangiante com que o Goncalo (criatura de cariz mitológico de nacionalidade scalabitana que ainda hoje define a minha nocao de amizade) lia as suas obras. Isto há coisa de uma década atrás (bonita idade esta que tenho em que já comeco a medir o tempo em questao de décadas).
Sentindo a obrigacao de passar os meus olhos por textos (vd. http://narralhices.blogspot.de/2014/05/recomendo-talvez-nao.html) de um senhor ingles que nos tenta ensinar a viver numa cópia frágil da realidade quotidiana, nao consegui nunca esconder o tédio e até uma certa revolta quando alguma frase mais acertiva me entrava pupilas dentro. A afirmacao de realidades e a consequente tentativa de imposicao de uma forma de viver ou de uma realidade absoluta tem-me causado cada vez maior desconforto.
O drama do senhor Feliciano em El día de las puertas cerradas (http://www.amazon.com/El-Dia-Las-Puertas-Cerradas/dp/B002DID1NA) do Equatoriano Oswaldo Encalada Vasquez modela os meus padroes de vida muito mais do que qualquer conselho directamente dado. E isto tudo tendo em conta que estou a viver na democrática Alemanha onde o conceito de liberdade pessoal é algo confuso e, de certo modo, definido por uma estrutura de interesses económicos que coloca a Seguranca Social portuguesa na categoria de infanto-juvenil.
Respirando fundo, olho para o típico céu cinzentao de Hamburgo, ponho as maos à volta da chávena de chá e regresso à ficcao sem data definida para dela sair.
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
O Pacheco volta a atacar
Velar o sono
acompanhando a respiracao
no contorno branco dos teus seios.
Ficar, assim,
no frio de Hamburgo,
apenas hanseático
e eternamento livre.
acompanhando a respiracao
no contorno branco dos teus seios.
Ficar, assim,
no frio de Hamburgo,
apenas hanseático
e eternamento livre.
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