terça-feira, 20 de agosto de 2013

Cidades Imaginárias (ou de como quase se rouba um título ao Calvino assim à descarada)

Quantas cidades nos cabem na cabeça?
Desde o regresso a Lisboa que não deixo de pensar nisto.
Uma vez mais atrasado e tentando cumprir um calendário desproporcionado de reencontros e cafés suficientes para me manter acordado durante algumas semanas dou por mim a pensar no melhor caminho para o Chiado. Rua do Paraíso e depois? Subo pela Sé para logo descer ou dou a volta por baixo, Campo das Cebolas, Cais de Santarém e por aí? Num momento um mapa de Lisboa abriu-se dentro de mim como se diante estivesse. Corri para mais um encontro sem hesitar nem por um instante nos caminhos a seguir.
Já antes as ruas de Santarém me tinham albergado em passeios onde consegui calcular onde haveria sombra em plena tarde assim evitando o impiedoso sol ribatejanno. Coimbra e Porto também pareceram não me esconder grandes dificuldades. Recordava ainda com infinito carinho o caminho para o Piolho ou as sinuosas ruas da Sé velha até à Universidade.
De regresso a Hamburgo dou comigo a calcular apanhar o U1 até Wandsbek Markt, o 23 até Horner Rennbahn e talvez o 213 até Hasencleverstrasse.
A somar às cidades que posso dizer que conheço e cujas ruas não me são, de todo, indiferentes pelo facto de a elas associar um sem número de memórias espaçadas em tempos de narração interna incoerentes como o são todas elas, há ainda as cidades nas quais deixei a fantasia tomar alegremente conta das memórias: uma Varsóvia onde o palácio de Wilanow até que bem que se poderia avistar do jardim que serve de telhado à biblioteca da Universidade, uma Istambul onde a Mesquita Azul está ali mesmo ao lado do Grande Bazar ou até mesmo uma cidade da Praia onde se pode mergulhar directamente do Plateau para as águas azuis do atlântico.
A todas estas cidades há ainda que juntar as cidades que foram crescendo dentro de mim sem que nunca lá tenha estado. Há uma Buenos Aires onde o Borges ainda anda a beber café, uma Montevideo onde facilmente se pode tomar uma cerveja com o Galeano ou discutir agricultura com o Mujica num desses intermináveis cafés com bancos de madeira onde ainda se fumarão charutos que desenharão no ar palavras de Onetti a jeito de promoção e dignificação das artes. Também por entre fumo seria possível falar com o Ginsberg em São Francisco na City Lights. Poderia até dar um pulinho de fim de semana a Big Sur e beber com o Kerouac enquanto haikus surgirião da sua boca com o bater das ondas nas rochas como música de fundo. O cheiro do mar seria igual ao de Ofir.
Como estas há muitas outras cidades onde conheço ou julgo conhecer ruas e cheiros, guiando-me de forma inconsciente de forma a garantir o prazer máximo de se usufruir de espaços que mexem connosco, nos fazem sonhar, querer viver mais e mais, ler mais, ser mais.
Mas no fundo há uma questão que me tem acompanhado nestes últimos tempos:
Quantas cidades nos caberão na cabeça? 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Olha outro poema do Pacheco

Porquanto o teu olhar sejam pontes
andarei entre cá e lá
julgando ler esperanças
nas fantasias que se esfumam.
Sorrio, não.
Desrio-me em cerveja
tentando sei lá tudo.
Amanhã espero acordar
e voltar a ser.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Festival por terras germânico-dinamarquesas

Ainda com um jet lag existencial aterrei num comboio rumo a Niebull para ir para mais um festival.
À minha espera na estação de comboios estava uma educada senhora num volkswagen azul de inícios dos anos 90 e que desde logo me afiançou que o espírito do festival só se equiparava aos que houve em 71 quando o Jimi Hendrix ainda estava vivo. O facto de ele ter morrido em 1970 afiançou-me desde logo muita coisa fazendo-me esperar o melhor.
Herr Lôpez, ouvi enquanto saía do carro agradecendo a todos os antigos deuses egípcios o facto de ter chegado são e salvo ao local do festival.
De forma germânica fui intimidado a ir fazer o soundcheck que logo se tratava de me instalarem ignorando o real peso de umas malas que, mais que tudo, tinham uma identidade lusitana dentro.
Contar em inglês, reabituar-me às tão distintas reacções do público alemão e o tal de jet lag existencial aqui a martelar de forma constante foram barreiras que tiveram que ser vencidas nos primeiros 23 segundos, tempo de tolerância oferecido por qualquer público.
Ainda sem saber o impacto desta primeira sessão de contos de regresso a terras germânicas, vi-me a invadir uma tenda de circo com comida à qual só se tinha acesso mediante comprovativo de artista. No caso, uma pulseirita vermelha apertada de forma a cortar-me ao de leve a circulação sanguínea que isto esta gente não faz a coisa por menos.
Ao ser recebido por olhares frios não pude deixar de sentir que isto há gente que está para a simpatia como Hamburgo está para o sol e bom tempo. Mas ribatexano que se preze não se deixa intimidar nunca. Hora após hora regressei à tenda conquistando pedacinhos de pão com queijo e até um copo de água. No pequeno-almoço do segundo dia até ousei pedir café. Responderam um não sei quê e fui-me embora derrotado. Um desânimo profundo conquistou a minha alma. À saída da tenda apercebi-me que não era aquele o sítio para os artistas irem comer mas uma outra tenda ao lado onde me esperava um generoso buffet. Talvez, mas só por talvez ter andado a comer o que estava reservado à mocidade do circo é que me tinham sido dirigidos tão simpáticos olhares.
A acabar o segundo dia de festival e continuando eu de roda do buffet dou com dois jovens ingleses a meterem conversa, coisa assaz rara por parte das gentes da organização cuja única coisa que me iam perguntando era se tinha as minhas pulseiras que comprovavam a minha existência.
Quando dou por mim reparo que eram nem mais nem menos que estes mocitos:
https://www.youtube.com/watch?v=E8QpV8_WjrI
Já com a chuva a fazer-me lembrar de que é inerente à condição humana uma pessoa molhar-se e que isso pode acontecer mesmo sendo verão, lá vi o concerto enquanto pensava se a minha tenda ainda estaria montada ou já teria navegado qual caravela rumo a terras mais amenas.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Sobre o regressar

Depois de um mês por Portugal, o regresso à Alemanha deu-se com chuva apenas para fazer recordar que durante um mês a minha pele andou a beber sol como quem sofre de uma qualquer carência vital. Andou igualmente a beber o contacto com outras peles que me faziam tanta ou mais falta quanto o sol.
Da frustração que foi a passagem por Lisboa onde senti que nunca consegui estar com ninguém como queria à experiência intensa de três semanas num São Pedro do Rio Seco que terá menos habitantes que esta Hasencleverstrasse onde vivo.
Pelo meio ficaram deliciosas passagens anónimas por Coimbra e Porto. Matar saudades da Francesinha da Cufra ou da sandes de pernil do Guedes. Ouvir balada Coimbrã nas escadas da Sé. Regressar a uma capital do Ribatexas sob o sol escaldante que me modelou durante anos a fim.
Voltar a contar em português foi um desafio que só me senti vencer já perto do final da minha estada quando as minhas veias já estavam verdadeiramente entupidas de enchidos, pão caseiro e vinho. Difícil vida esta a que fui submetido em plena aldeia beirã! Histórias de contrabando e sacanices sem fim entre toques de calor e afecto que julgava apenas pertencerem a um país que já tinha como quimérico ou apenas de livros.
Talvez Torga, cujo diário me acompanhou neste regresso.
Contudo, não consigo deixar de agradecer a todos com quem me voltei a cruzar o prazer das palavras que contei e que me deram. Entre os votos de um regresso em breve e convites para germanices as palavras voltaram a ganhar calor dentro de mim e a vontade de viver cada instante como se de um momento único se tratasse foi quase imperial.
Em breve a Ryan Air me trouxe de regresso a este país onde contar em inglês perante um público mais frio já perto da bem mais fria Dinamarca.
Ainda meio de ressaca de tudo isto sinto-me finalmente aterrar em Hamburgo. O tempo está instável tal como, de certa forma, também eu me sinto.
Abraço-me à Rosa Montero e às suas leituras antes ainda de me entregar de volta às minhas análises antropológicas destas gentes. Não perdem pela demora.