terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Fomeca da boa

"I'm beginning to see that our appetite for books is the same as our appetite for food, that our brain tells us when we need the literary equivalent of salads, or chocolate, or meat and potatoes." - Nick Hornby

Agora que nos estamos a aproximar o fim do ano, começam a surgir as listas. Os melhores livros, os melhores álbuns, os melhores filmes, as melhores gafes, os melhores ou mais marcantes momentos, etc, etc... Cansa. Cansa muito.
Mas por muito que sempre questione os senhores que elaboram as listas e a sua autoridade moral, confesso-me um viciado incontrolável e, quando ninguém está a ver, lá vou eu dar uma espreitadela e reconhecer a minha ignorância ao aperceber-me que mais um ano passou e não li/ouvi/vi nem metade do que de bom foi feito. Na realidade os meus números costumam cifrar-se nos 32%, mas isso já são outras estórias que poderão revelar em mim um geek em potência.
Talvez, arranjo eu como desculpa, eu não seja assim tão mainstream. Mas muitas das listas que consulto também não o são. Ou pelo menos pretendem não o ser. Nos tempos em que lia a Ípsilon como quem lê a Bíblia em fascículos semanais os meus números eram melhores. A paixão da Ípsilon com o B Fachada deitou tudo a perder e acabei por me dedicar a outras fontes renegando o suplemento que me acompanhava o almoço de todas as sextas.
Estando por terras germânicas e a beber de fontes variadas nos mais diversos idiomas numa esquizofrenia sem igual, a questão das listas começa-se a tornar incómoda. Ou leio o que me anunciam as listas ou o que me recomendam as inúmeras pessoas interessantes com quem me cruzo e que me apresentam novos mundos. Ou oiço os álbuns do ano em Portugal ou o que se está a fazer na Alemanha. Ou em França (confesso que ainda um dia hei-de perceber que raio de paixão é esta que os alemães têm com a cultura francófona).
Mas esta nem é a questão principal.
O que todas estas coisas têm em comum é o facto de fazerem crescer em mim uma fome tal que só poderá ser resolvida num período de isolamento autista com o meu disco externo cheio de música e uma cabana de 27 metros quadrados com as paredes repletas de livros e 12 moleskines para ir tomando notas aleatórias sem qualquer ligação entre si. Peço três meses. Duas paletes com uma selecção cuidada de vinhos do Douro e Alentejo. Uma linha de entrega directa de tabaco para o narguilé feito de forma rigorosa pelo senhor que tem a loja egípcia em Wandsbeker Chaussee.
Peço pouco que sou pessoa simples, mas com uma fome desgraçada (no seguimento da citação com que se inicia este post)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Ubahn

Neste sonho que me invadiu estava no metro. A caminho de casa. À minha volta havia as caras cinzentas do costume que reagiam com a indiferenca de sempre à irritante voz que sempre vai anunciando a próxima estacao sem nunca errar nem mudar de tom. Maravilhas da vida moderna, penso. Num momento lembro-me do senhor da estacao de comboios de Santarém que gritava de forma imperceptível a entrada da próxima composicao numa das duas linhas disponíveis.
Se há aculturacao que os alemaes conseguem implantar de forma categórica nos emigrantes é a  do cinzentismo nos transportes públicos. De facto é um bocado indiferente de onde uma pessoa vem, que o nao sorriso e o olhar mortico para um telemóvel consegue ser exactamente o mesmo. Assim se esbatem as diferencas culturais criando uma unidade e identidade nacional, penso.
"Fahrkarte, bitte". De um pulo procuro o bilhete e pergunto ao revisor se isto já chegou ao ponto de ter que se pagar bilhete para se sonhar.
Na altura em que as nossas vozes já se levantavam mais do que o aconselhado pela OMS acordo com o coracao a bater e a repetir para mim incessantemente que tirei um bilhete diário e que posso sonhar noite fora sem ser interrompido.
Ao sair da carruagem chegando a Horner Rennbahn depois de um serao de contos deparo-me com um tipo a bater violentamente numa mulher da qual só vi cabelos e ocasionalmente as pernas. Na carruagem do lado onde tudo isto se ia passando, os cinzentoes iam focando os olhos no telemóvel e ninguém se dignou mexer como se fosse apenas normal o que ali se estava a passar.
Infelizmente esta última parte foi bem mais verdadeira que o sonho com o revisor e aparentemente ainda nao houve sonho que fosse capaz de afastar esta imagem tao real da minha cabeca.