sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ceska Republikaaaaa

Outra das coisas comuns nesta vida de estalajadeiro é o facto de, em períodos de menos fluxo de gente e de baixa de preços, aparecerem personagens dignos de figurarem num qualquer romance kafkiano.
E dessa mesma terra de Praga que viu nascer tão ilustre pessoa, surgiu este mais recente personagem que, com certeza, teria direito a cromo prateado da Panini rivalizando com Poborsky na época 98-99.
Vindo directamente de Bragança depois de ter sido despedido de um centro de línguas, não se privou em comentar de como era complicado viver em Portugal pois em 4 meses não tinha conseguido "comer" nenhuma portuguesa e que tinha sido despedido via telefone. Sorri e respondi que o facto do país estar em saldos não queria forçosamente dizer que a vida aqui era fácil ou os portugueses pessoas de trato fácil.
Ao fim de 16 minutos de conversa com este tal de Ramon checo começou a crescer em mim uma vontade de o lançar nas mãos do Alves de forma a que arroz de cabidela figurasse nos pratos do dia.
O relógio anunciava as 09h36 quando ele decidiu parar com conversas tontunas, assim escapando com mestria brilhante à dolorosa morte que já lhe estava a preparar, e partir rumo à cidade e ao sol impressionante que tem invadido as ruas lisboetas nestes últimos tempos.
Ainda não eram 11h36 quando regressou anunciando que já tinha visto a cidade toda.
Sorri com inegável escárnio estampado nos meus lábios e quando o comecei a inquirir com nomes de bairros, ele respondeu-me que igrejas tinha ele em Praga. Nesse momento lembrei-me que tinha que ir ver se já tinha surgido alguma nuvem no céu de forma a analisar o fluxo de andorinhas no mês de Dezembro, assim evitando sair-me qualquer expressão mais peculiar de mau trato.
Mas a noite sim, reservou o prato grande.
Afogueado depois de ter subido o morro da Graça em tempo recorde sou confrontado com um: Portugal doesn't has any famous painters.
Ah isso é que tem, repliquei. Paula Rego, que trabalha como residente na Tate...
Is she still alive?
Claro, pá! Ou espero que ainda sim. Caso não tenha comido demasiadas filhozes ou outros doces natalícios e tenha tido um enfarte...
If she's still alive, she's not famous.
Mas o Kundera é famoso e ainda está vivo, apenas para citar um checo.
He's an imigrant who writes weird things and he's not famous in the Ceska Republika and I've never read anything by him and I never will.
Um casal britânico que seguia a conversa como o Gabriel Alves segue um jogo de futebol resolveu trazer à baila o nome Franz Kafka. O caldo entornou. Os comentários foram de tal forma absurdos que tive que ir aliviar os palavrões que me ocorriam derrotando uma dupla de alemães, com cerca de 1,95m cada um, num disputado jogo de matraquilhos por uns simbólicos 9-0. Bebi de um só sorvo um copo de salmiakki e aprontei-me para dormir depois de ler a entrevista de Edu Lobo com o Carlos Vaz Marques.
Quando hoje acordei, já era uma pessoa quase normal. Só sinto é uma leve comichão nas minhas 8 patas...

sábado, 17 de dezembro de 2011

De gentes

Uma das grandes dúvidas que sempre me assalta quando recebo um novo cliente é "Quem és tu?"
Por muitos papéis que uma pessoa peça, isso acaba por não responder a nada de muito concreto pois ao fim de mais de ano e meio, talvez possa garantir que já tenha visto coisas soberbas, impressionantes, inenarráveis até que não teriam cabimento em papéis com selos oficiais. Poderei concluir que cada pessoa é diferente das demais, mas no meio disto tudo há padrões que começam a surgir: tirando gloriosas excepções (até ao momento apenas uma), todas as pessoas que pedem para ficar durante períodos mais alargados têm alguma particularidade que as torna em seres a evitar, quais testemunhas de Jeová à porta de Santa Apolónia.
Desde o épico besugo, referido nos primeiros posts deste blogue, passando pelo belo Max (também por aqui referido) até ao famoso Álvaro que, no auge dos seus 50 anos, dormia pelado num quarto recheado de jovens meninas ou o norueguês John que, a qualquer hora do dia ou da noite, poderia ser encontrado de cerveja na mão e cigarro na boca na zona do poço, todos eles eram capazes de ser nomeados como cromos dourados quase impossíveis de encontrar, até mesmo nos simpáticos senhores que a essa faina se dedicam à porta da estação do Rossio.
Pois é então que o final de Outubro me traz uma delicada senhora dos seus 57 anos.
Ao início tudo bem, excluindo uma ou outra conversa mais alongada sobre a sua débil saúde ou o estado do país. Mas pouco tempo foi preciso para que outras conversas começassem a surgir: De como tinha sido expulsa do sistema de ensino, de como o filho lhe foi tirado em plena pousada da juventude de Santarém por polícias pagos pelo ex-marido ou de como lhe encheram as paredes de merda (cito textualmente) em plena cidade do Porto.
Daí até às acusações de que a queriam matar no hostel pelo facto de se ter varrido o chão antes mesmo de ela passar e haver um levantamento de pó semelhante à onda que se levantou do Tejo em 1755 ou de que eu, exilado momentariamente em Tenerife, tinha enviado ordens específicas para que um casal polaco que nunca vi na minha vida "praticasse o sexo " com o intuito de não a deixar dormir, foi um passo mais pequeno do que desta página do blogger até ao facebook.
E no dia em que chegou qual revolucionária francesa interrompendo o meu mais matinal chá a vociferar em plenos pulmões que estava a ser impedida de dormir enquanto preparava o pequeno-almoço, decidi convidá-la a sair nesse preciso instante. Dei-lhe uma hora para arrumar as suas coisas. Quando essa hora findou, ela surgiu, armada de óculos de sol a afirmar que não saía e que ia eu fazer perante tal situação. Anunciei em voz pousada que iria pôr as coisas dela na rua e, enquanto virava costas, ela correu hostel fora, barricando-se numa academia de música no outro lado da rua. Chamou a polícia e desapareceu. A última notícia que tive dela foi no dia seguinte, quando me ligou a dizer que viria buscar as coisas com duas testemunhas. "Com certeza, respondi". Não veio. Passou já quase uma semana depois disto e resolvi abrir o cacifo. Por entre roupas e papéis, muitos papéis e sacos de plástico, um papel de selo oficial se destacou: Mandado de Condução a um hospital psiquiátrico na cidade do Porto.
Às vezes os papéis até que conseguem resumir bem quem temos à nossa frente

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Los Silos

Sorrio.
Sentado na esplanada que preenche a praça principal de uma paradisíaca terra do norte de Tenerife, sou abordado por um enorme sorriso de criança que me lança um " A mí me gusta mucho el pan con mantequilla!".
A culpa disto é da Maria Alberta Menéres e do seu delicioso texto Uma história bem contada" (http://marhei.podbean.com/)
Este talvez tenha sido apenas o primeiro de um conjunto de acontecimentos que me fizeram regressar às lusas ruas da capital com um sorriso de tal forma estranho que não terá passado despercebido à brigada de bêbedos que ocupa a porta do Alves dia após dia, aos pouco sorridentes funcionários do Minipreço, ao Hugo do Boteco ou até à dona Maria do quiosque dos jornais junto à paragem do 28.
Nestes dias por Tenerife ganhei uma sobrinha de origem argentina, reencontrei Primo Viti (que tanto me ajudou a ser quem hoje sou), soube da eminente morte de Juan, de tantas e tão sábias palavras e de sotaque canário a roçar o imperceptível, bebi mais leche leche do que é permitido pela OMS, comi potaje con gofio, contei estórias a uma costureira enquanto ela dava os últimos retoques numa camisa canária que encheu a minha alma de orgulho, tive em mim postos os olhos de alguns dos narradores que mais admiro (ai nervos, ai nervos), comi papas arrugadas con mojo picón, ouvi uma conferência de um ex-aluno do meu pai nos anos 70, bebi dorada, contei estórias para 5 pessoas na intimidade electrizante de uma sala de estar de "balconada" canária, falei de Lisboa, fui procurado à uma da manhã para que o empregado de mesa da supracitada esplanada me oferecesse um licor caseiro de higo pico, fui procurado pela dona de uma loja que cirandou meio povoado com o meu telemóvel na mão com a bateria devidamente carregada, fui entrevistado por duas rádios, conheci pessoas incríveis, tive saudades de pessoas com quem queria partilhar aqueles momentos incríveis, tive saudades de pessoas com quem já não é possível partilhar aqueles momentos incríveis, comi queso blanco (que riiiiiico!!!!!!), mas, sobretudo, ganhei um sorriso que não passou despercebido às pessoas desta Graça aonde regressei.
A todos os responsáveis por este sorriso,

MUITO OBRIGADO