segunda-feira, 18 de julho de 2011

De não saber o que me espera, tirei a sorte à minha guerra

Depois de meses e meses sem aqui escrever, ganhei a coragem suficiente para voltar a estas lides.
Como o regresso não pode ser coisa abrupta, começo com a música que serve de título para este post: http://www.youtube.com/watch?v=dBL25NEriLU

Respiro fundo da mesma forma que respirei quando me defrontei com 4 franco-martiniquenhas (ou o raio que as parta) a anunciarem-me que não iriam ficar no hostel.
Fitei-as com a calma de quem já está habituado a franceses que, mal tratados nos subúrbios de Paris, se tornam tremendos refilões noutros países e anunciei-lhes que estavam à vontade, tendo, contudo, que pagar as duas primeiras noites de acordo com as políticas de cancelamento em vigor neste país.
A misturada de crioulo com francês sussurrado impossibilitou-me de saber qual a verdadeira razão do descontentamento. As camas? O quarto? O cheiro a chulé de um inglês de quase dois metros? O meu francês deficitário?
Perante a ameaça de pagamento, uma delas (de dimensões humildes que me levaram a apelidá-la de "grandalhona") convenceu simpaticamente as outras de que, afinal, sempre ficavam. Com cara de poucos amigos, aceitei o dinheiro e preparei-me mentalmente para ter que levar com medonhas caretonhas de criaturas francófonas durante os quatro dias da sua estada.
Nada de novo, portanto.
Por uma qualquer sorte, por aqui andava uma outra criatura francesa a vagabundear e que logo lhes disse naquele peixês típico de Marselha que isto até era um sítio catita e que elas só tinham era que ficar.
Deu-se então início a conversas: que fazem?, quem são?, porque raio vivem em Paris?, que acham da possibilidade de o Sarkozy ter um nariz maior que o permitido pela União Europeia, e outras questões de vital importância para a humanidade. Entre as profissões delas, houve uma que se recusou a dizer no que é que trabalhava, levando-me a assumir de imediato que só o podia fazer para a polícia secreta francesa e que tinha vindo até aqui para averiguar se não tinha sido eu a engravidar a Carla Bruni, acabando com as especulações e apostas nos corredores de Bruxelas.
Como é meu apanágio, introduzi-as ao conceito de "c'est la merde" para descrever toda e qualquer situação de leve desagrado, jurando a pés juntos que a tinha ouvido directamente da boca de Jean-Marie Le Pen aquando da sua derrota eleitoral há uns anos atrás contra o Chirac.
E assim se passaram quatro dias de plena doutrinação lusa, como costuma acontecer nesta estalagem donde vos escrevo.
Ontem à noite, estando as criaturas já a arrumar as suas malas para regressarem donde vieram, a grandalhona que pôs juízo nas outras todas veio falar comigo, pedindo desculpa por aquele primeiro dia da chegada delas.
Pus um ar triunfante, pronto a desfraldar a bandeira da civilização em plena torre Eiffel, quando fui interrompido por um ar um pouco para lá de humilde a dizer que ela estava desempregada.
Sorri e respondi de imediato: Ora! Sabes lá tu quantos jovens portugueses estão desempregados... C'est la merde!
Ela sorriu e continuou, afirmando que o desejo de não ficar no hostel tinha sido dela, pois a entrada (que já tanta gente fascinou com as suas arcadas e aspecto semi-gótico lusitano) lhe fazia lembrar o lugar onde tinha sido violada pelo seu professor de Matemática que, em seguida, lhe garantiu a expulsão de um programa de investigação e consequente desemprego.
Pela primeira vez em muito tempo, não consegui responder que "c'est vachement la merde..."