sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ceska Republikaaaaa

Outra das coisas comuns nesta vida de estalajadeiro é o facto de, em períodos de menos fluxo de gente e de baixa de preços, aparecerem personagens dignos de figurarem num qualquer romance kafkiano.
E dessa mesma terra de Praga que viu nascer tão ilustre pessoa, surgiu este mais recente personagem que, com certeza, teria direito a cromo prateado da Panini rivalizando com Poborsky na época 98-99.
Vindo directamente de Bragança depois de ter sido despedido de um centro de línguas, não se privou em comentar de como era complicado viver em Portugal pois em 4 meses não tinha conseguido "comer" nenhuma portuguesa e que tinha sido despedido via telefone. Sorri e respondi que o facto do país estar em saldos não queria forçosamente dizer que a vida aqui era fácil ou os portugueses pessoas de trato fácil.
Ao fim de 16 minutos de conversa com este tal de Ramon checo começou a crescer em mim uma vontade de o lançar nas mãos do Alves de forma a que arroz de cabidela figurasse nos pratos do dia.
O relógio anunciava as 09h36 quando ele decidiu parar com conversas tontunas, assim escapando com mestria brilhante à dolorosa morte que já lhe estava a preparar, e partir rumo à cidade e ao sol impressionante que tem invadido as ruas lisboetas nestes últimos tempos.
Ainda não eram 11h36 quando regressou anunciando que já tinha visto a cidade toda.
Sorri com inegável escárnio estampado nos meus lábios e quando o comecei a inquirir com nomes de bairros, ele respondeu-me que igrejas tinha ele em Praga. Nesse momento lembrei-me que tinha que ir ver se já tinha surgido alguma nuvem no céu de forma a analisar o fluxo de andorinhas no mês de Dezembro, assim evitando sair-me qualquer expressão mais peculiar de mau trato.
Mas a noite sim, reservou o prato grande.
Afogueado depois de ter subido o morro da Graça em tempo recorde sou confrontado com um: Portugal doesn't has any famous painters.
Ah isso é que tem, repliquei. Paula Rego, que trabalha como residente na Tate...
Is she still alive?
Claro, pá! Ou espero que ainda sim. Caso não tenha comido demasiadas filhozes ou outros doces natalícios e tenha tido um enfarte...
If she's still alive, she's not famous.
Mas o Kundera é famoso e ainda está vivo, apenas para citar um checo.
He's an imigrant who writes weird things and he's not famous in the Ceska Republika and I've never read anything by him and I never will.
Um casal britânico que seguia a conversa como o Gabriel Alves segue um jogo de futebol resolveu trazer à baila o nome Franz Kafka. O caldo entornou. Os comentários foram de tal forma absurdos que tive que ir aliviar os palavrões que me ocorriam derrotando uma dupla de alemães, com cerca de 1,95m cada um, num disputado jogo de matraquilhos por uns simbólicos 9-0. Bebi de um só sorvo um copo de salmiakki e aprontei-me para dormir depois de ler a entrevista de Edu Lobo com o Carlos Vaz Marques.
Quando hoje acordei, já era uma pessoa quase normal. Só sinto é uma leve comichão nas minhas 8 patas...

sábado, 17 de dezembro de 2011

De gentes

Uma das grandes dúvidas que sempre me assalta quando recebo um novo cliente é "Quem és tu?"
Por muitos papéis que uma pessoa peça, isso acaba por não responder a nada de muito concreto pois ao fim de mais de ano e meio, talvez possa garantir que já tenha visto coisas soberbas, impressionantes, inenarráveis até que não teriam cabimento em papéis com selos oficiais. Poderei concluir que cada pessoa é diferente das demais, mas no meio disto tudo há padrões que começam a surgir: tirando gloriosas excepções (até ao momento apenas uma), todas as pessoas que pedem para ficar durante períodos mais alargados têm alguma particularidade que as torna em seres a evitar, quais testemunhas de Jeová à porta de Santa Apolónia.
Desde o épico besugo, referido nos primeiros posts deste blogue, passando pelo belo Max (também por aqui referido) até ao famoso Álvaro que, no auge dos seus 50 anos, dormia pelado num quarto recheado de jovens meninas ou o norueguês John que, a qualquer hora do dia ou da noite, poderia ser encontrado de cerveja na mão e cigarro na boca na zona do poço, todos eles eram capazes de ser nomeados como cromos dourados quase impossíveis de encontrar, até mesmo nos simpáticos senhores que a essa faina se dedicam à porta da estação do Rossio.
Pois é então que o final de Outubro me traz uma delicada senhora dos seus 57 anos.
Ao início tudo bem, excluindo uma ou outra conversa mais alongada sobre a sua débil saúde ou o estado do país. Mas pouco tempo foi preciso para que outras conversas começassem a surgir: De como tinha sido expulsa do sistema de ensino, de como o filho lhe foi tirado em plena pousada da juventude de Santarém por polícias pagos pelo ex-marido ou de como lhe encheram as paredes de merda (cito textualmente) em plena cidade do Porto.
Daí até às acusações de que a queriam matar no hostel pelo facto de se ter varrido o chão antes mesmo de ela passar e haver um levantamento de pó semelhante à onda que se levantou do Tejo em 1755 ou de que eu, exilado momentariamente em Tenerife, tinha enviado ordens específicas para que um casal polaco que nunca vi na minha vida "praticasse o sexo " com o intuito de não a deixar dormir, foi um passo mais pequeno do que desta página do blogger até ao facebook.
E no dia em que chegou qual revolucionária francesa interrompendo o meu mais matinal chá a vociferar em plenos pulmões que estava a ser impedida de dormir enquanto preparava o pequeno-almoço, decidi convidá-la a sair nesse preciso instante. Dei-lhe uma hora para arrumar as suas coisas. Quando essa hora findou, ela surgiu, armada de óculos de sol a afirmar que não saía e que ia eu fazer perante tal situação. Anunciei em voz pousada que iria pôr as coisas dela na rua e, enquanto virava costas, ela correu hostel fora, barricando-se numa academia de música no outro lado da rua. Chamou a polícia e desapareceu. A última notícia que tive dela foi no dia seguinte, quando me ligou a dizer que viria buscar as coisas com duas testemunhas. "Com certeza, respondi". Não veio. Passou já quase uma semana depois disto e resolvi abrir o cacifo. Por entre roupas e papéis, muitos papéis e sacos de plástico, um papel de selo oficial se destacou: Mandado de Condução a um hospital psiquiátrico na cidade do Porto.
Às vezes os papéis até que conseguem resumir bem quem temos à nossa frente

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Los Silos

Sorrio.
Sentado na esplanada que preenche a praça principal de uma paradisíaca terra do norte de Tenerife, sou abordado por um enorme sorriso de criança que me lança um " A mí me gusta mucho el pan con mantequilla!".
A culpa disto é da Maria Alberta Menéres e do seu delicioso texto Uma história bem contada" (http://marhei.podbean.com/)
Este talvez tenha sido apenas o primeiro de um conjunto de acontecimentos que me fizeram regressar às lusas ruas da capital com um sorriso de tal forma estranho que não terá passado despercebido à brigada de bêbedos que ocupa a porta do Alves dia após dia, aos pouco sorridentes funcionários do Minipreço, ao Hugo do Boteco ou até à dona Maria do quiosque dos jornais junto à paragem do 28.
Nestes dias por Tenerife ganhei uma sobrinha de origem argentina, reencontrei Primo Viti (que tanto me ajudou a ser quem hoje sou), soube da eminente morte de Juan, de tantas e tão sábias palavras e de sotaque canário a roçar o imperceptível, bebi mais leche leche do que é permitido pela OMS, comi potaje con gofio, contei estórias a uma costureira enquanto ela dava os últimos retoques numa camisa canária que encheu a minha alma de orgulho, tive em mim postos os olhos de alguns dos narradores que mais admiro (ai nervos, ai nervos), comi papas arrugadas con mojo picón, ouvi uma conferência de um ex-aluno do meu pai nos anos 70, bebi dorada, contei estórias para 5 pessoas na intimidade electrizante de uma sala de estar de "balconada" canária, falei de Lisboa, fui procurado à uma da manhã para que o empregado de mesa da supracitada esplanada me oferecesse um licor caseiro de higo pico, fui procurado pela dona de uma loja que cirandou meio povoado com o meu telemóvel na mão com a bateria devidamente carregada, fui entrevistado por duas rádios, conheci pessoas incríveis, tive saudades de pessoas com quem queria partilhar aqueles momentos incríveis, tive saudades de pessoas com quem já não é possível partilhar aqueles momentos incríveis, comi queso blanco (que riiiiiico!!!!!!), mas, sobretudo, ganhei um sorriso que não passou despercebido às pessoas desta Graça aonde regressei.
A todos os responsáveis por este sorriso,

MUITO OBRIGADO

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

De palavras em palavras

"Suele ocurrirme, las palabras me fascinan, me enamoran, me enferman, me golpean, me trasnochan, me hacen alucinar..."

Obrigado Nicolás.
Talvez também tenha que agradecer a todos os que, durante estes últimos quase trinta anos me têm alimentado a cabeça com palavras, pois ainda é o único que me vai conseguindo alimentar desde sempre e não há crise que afecte esta fome.
Daí ter ido até à Polónia em busca de palavras impronunciáveis por pessoas que nasceram em países onde o sol brilha como deve ser. Começando por opowiadanie, que muitas vezes soa a estranho até para os próprios locais... You do what?, perguntam. Com sorriso latino, expliquei infinitas vezes o que era, enquanto os doutrinava sobre a forma correcta de pronunciar Uwagaaaaaaaaaa, após ter descoberto que era palavras de origem japonesa.
Os locais respondiam as estes delírios com convites para Piwo, Wodca, Wino e outras bizarrias locais. Em Portugal, costumo ser escorraçado. Há que gostar dos polacos, penso.
No frio de Wroclaw pude caminhar sob uns simpáticos -2º e ao lado de um paquiderme de robusta constituição física que não hesitou em mostrar os braços cheinhos de Bigos enquanto afirmava de forma convicta que em Cracóvia estavam -12º e que o Outono era bem ameno por aquelas terras. Sedutor, pensei.
As poucas partes da minha cara ainda capazes de mover acenaram em reverente concordância. Logo me arrependi ao sentir que o meu nariz caiu perante a passagem de um belo de um eléctrico de inspiração soviética. Nesse momento percebi o Gogol e as questiúnculas com o nariz.
Não fosse uma sacrossanto grzane wino (vulgo vinho quente capaz de nos aquecer o coração e outras coisas, evitando problemas de saúde algo chatos como a gangrena) e não estaria aqui a escrever estas palavras.
Palavras, palavras, palavras...
Entre a fabulosa experiência de ter tido um cachorrito a fazer necessidades nas minhas calçasLink 10m antes de sessão de contos no Muzeum Bajek até ter levado reprimenda de olhares (os polacos são gente de boa e severa educação) por ter chegado 3 minutos atrasado a um encontro, posso-vos dizer que nunca tirei tão poucas fotos devido ao desejo de sobrevivência que me fazia não tirar as mãos dos bolsos.
Survival of the fittest, disse o Herberto. Beto, para os mais próximos.
Gostaria de dizer que vim da mesma maneira que fui, mas não. Vim com a experiência cheia de frios, sabores, cheiros, alguns zlotys, mas sobretudo, vim mais pessoa.
Dzięki!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Sketch 2

Mi abuelo no me contaba cuentos. Mi abuela no me contaba cuentos. Mi madre y mi padre tampoco.

Tuve sí, un padre que todos los días me contaba la vida de gente y sitios fantásticos que yo nunca creía que fuesen reales. Cosas para engañar niños, pensaba para mis adentros.

Había la de un jugador fabuloso de basket al que llamaban de “hormiga”, de un médico que era un delantero tremendo y que no cobraba a las personas más humildes por sus servicios y, incluso, la de una isla donde un lado era un desierto inmenso y del otro llovía todos los días, volviéndola verde como solo los sueños consiguen producir.

Para comprobar esta última estória, que de todas era la que yo menos creía, me enseñaba una negra caja de plástico llena de cigarros que mi madre tiró en la edad, esa en que creemos y queremos ser adultos sin saber lo que es, una botella de ron miel que sólo sería abierta en la boda de mi hermana y que nunca fue abierta pues mi padre ya no estaba y a mi hermana no le gusta el alcóhol y una foto de mi padre cerca de un tal de Teíde que desde niño me habían dicho que era un volcán. Pero yo veía un desierto. Sin verde. Sin la lluvia que me contaba que había. Sin nadie alrededor ¿Como creerlo entonces?

Me dijo el tiempo que ese tal Hormiga existió, que había un médico, delantero de puta madre de la Académica sigue vivo y que esa isla mágica, ¡jo!, existe!!! Y con gente dentro. Gente que toma café leche leche, bebe Dorada, coge guaguas, come carne con papas, pero, sobretodo, con gente apasionante que me hace recordar que hay magia en el aire y que hay que respirarla, vivirla y contarla. Gente que me hace recordar que mi padre talvez siga por ahí en islas mágicas ayudándome a alimentar estos cuentos que hoy os he traído aquí.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Sketch

Al revés de otros cuenteros, yo no puedo decir que tuve una abuela, abuelo, madre, padre que me contaran cuentos en escenarios más o menos idílicos.

Tuve sí, un padre que todos los días me contaba la vida de gente y sitios fantásticos que yo nunca creía que fuesen reales. Había la de un jugador fabuloso de basket a quien llamaban de “hormiga” de lo pequeño que era, de un médico que era un delantero tremendo y que no cobraba a las personas más humildes por sus servicios y, incluso, la de una isla donde de un lado era desierta y del otro llovía todos los días, volviéndola verde como solo los sueños consiguen producir.

Para comprobar esta última estória, que de todas era la que yo menos creía, me enseñaba una negra caja de plástico llena de cigarros, una botella de ron miel que sólo sería abierta en la boda de mi hermana (a mí provocando celos inmensos) y una foto dél cerca de un tal de Teíde que desde niño me fue dicho que era un vulcano. Pero yo veía un desierto. Sin verde. Sin la lluvia que me contaba que había. Sin nadie alrededor ¿Como creerlo entonces?

La caja de cigarros fue tirada a la basura para evitar que yo empezara a fumar en la edad, esa, en que todos tenemos ganas de ser adultos sin que lo seamos o comprendamos lo que quiere decir eso.

La botella sigue cerrada como antes, pues a mi hermana no le gusta el alcohol y mi padre ya no estuve en su boda.

Y la isla mágica, ¡jo!, existe!!! Y con gente dentro. Gente que toma café leche leche, bebe Dorada, coge guaguas, come carne con papas, pero, sobretodo, con gente apasionante que me haz recordar que hay magia en el aire y que hay que respirarla, vivirla y contarla. Gente que me haz recordar que mi padre talvez siga por ahí en islas mágicas ayudándome a alimentar estos cuentos que hoy os he traído aquí.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Gali-andalu

Ainda estava eu com os olhos a nadarem cheios de Giralda e já o meu rocinante rolava pelas longas e intermináveis estradas de uma Andaluzia que ameaçava amanhecer sob um sol escaldante e impiedoso,quando resolvi parar em Estepa, seduzido pelo seu castelo de terra perdida, fazendo-me sonhar acordado com Cervantices e um pequeno-almoço descansado após noite sevilhana de calores e vapores intensos.
Parado o meu rocinante de origem francesa, debatendo-me ainda com questões morais relacionadas o fecho da Renault de Setúbal nos anos 90, sentei-me numa esplanada, tendo pedido uma épica tostada con mantequilla y un café con leche, graças aos desgraçados níveis de qualidade do café espanhol.
Tragava eu este pequeno-almoço que mais era desayuno que outra coisa, disfarçando a qualidade do café con galeanas palavras, quando fui interpelado por um homem dos seus quarentas anos:
No me lo creo! Hay alguien en Estepa que está leyendo a Galeano! Es turista? (Peço o favor de porem um sotaque andaluz a esta minha vergonhosa tentativa de escrever em espanhol)
Repliquei a este espanto com um "Sou tuga. E 'tou de passagem para Valencia onde me vou encontrar com o Vicente. E há dias em que gosto muito de Galeano" - Aqui peço o favor de imaginarem o meu pleno sotaque ribatejano, que fez este meu interlocutor abrir os olhos em espanto e deixar-me de novo em mundos literários com um: "Sigue Galeano dando magia a la realidad".
Nem sabes quanto tens razão...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Tusto alheio

Sendo este um negócio que tantas vezes sobrevive dos tustos contados de pessoas dos mais diversos cantos deste nosso universo, tenho tido o prazer imenso de ver as mais diversas atitudes perante a vida.
Pessoas que lutam por dormir no chão, que discutem preços de dormidas ao ridículo do cêntimo, que não hesitam em ir a pé da Graça a Belém para poupar 1,05€, são várias e todas elas fabulosas, mas não se comparam à brutal luta por comida na prateleira da cozinha destinada a tudo o que se quer partilhar.
A violência e voracidade atingem níveis tais que o mais incauto dos transeuntes cedo fica com medo de ter pedaços do seu corpo arrancados e cozinhados entre cheirosos refogados de cebola e água.
É, pois, neste contexto que não consigo deixar de citar dois dos mais brilhantes exemplos que por aqui passaram:
1) corria o chuvoso mês de novembro, quando bate à porta um indivíduo caucasiano de quase dois metros com os olhos a brilharem perante a possibilidade de uma noite longe do frio e das contrariedades temporais que novembro sempre traz.
Apresentado ao hostel e largada a mochila de tamanhos vikingos, dou com ele a fazer uma lista exacta de tudo o que nas prateleiras habitava, convidando-me em seguida para ir com ele ao minipreço. Acedi com a curiosidade única que me habita desde que o Benfica ganhou o campeonato tendo Neno como guarda-redes.
Uma vez no minipreço tive o prazer de assistir ao brilhante desenrolar de cálculos sobre calorias mínimas para sobreviver vs preço dos produtos, tendo assistido à poderosa decisão de comprar uma lata de feijão encarnado e um pacote de lentilhas num total de 86 cêntimos. Claro está que perante tal gasto, tive que ser vítima do comentário de que Portugal, afinal, não era um país assim tão barato. Lamento, respondi-lhe. Se quiseres dou-te a morada do turismo de Portugal ou do ministério da Economia para que possas propor medidas de exploração miserável que nos aproximem da China ou um qualquer outro país catita de se viver.
Assustei-me quando o vi ponderar nestas minhas propostas.
Mais me assustei quando o vi cozinhar de forma dolorosa as lentilhas sem terem sido demolhadas. Quando com ele partilhei a milenar sabedoria de que as lentilhas têm que ser demolhadas umas tantas quantas de horas ants, ele não deixou de largar um scheisse!, lamentando a má-sorte que o tinha acossado.
Pfff, desperdiçar dinheiro assim com a crise que para aí anda, pensei eu, enquanto lhe punha uma mão no ombro, quase dando aquela estranha e quente sensação de compaixão.
Nesse dia, vi-o comer arroz integral de origem polaca, feijão vermelho, 1 caldo knorr de carne e ketchup.
Horrorizados?
2) Ontem vi uma indivídua a comer esparguete com sal.
A prateleira estava quase vazia.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

De não saber o que me espera, tirei a sorte à minha guerra

Depois de meses e meses sem aqui escrever, ganhei a coragem suficiente para voltar a estas lides.
Como o regresso não pode ser coisa abrupta, começo com a música que serve de título para este post: http://www.youtube.com/watch?v=dBL25NEriLU

Respiro fundo da mesma forma que respirei quando me defrontei com 4 franco-martiniquenhas (ou o raio que as parta) a anunciarem-me que não iriam ficar no hostel.
Fitei-as com a calma de quem já está habituado a franceses que, mal tratados nos subúrbios de Paris, se tornam tremendos refilões noutros países e anunciei-lhes que estavam à vontade, tendo, contudo, que pagar as duas primeiras noites de acordo com as políticas de cancelamento em vigor neste país.
A misturada de crioulo com francês sussurrado impossibilitou-me de saber qual a verdadeira razão do descontentamento. As camas? O quarto? O cheiro a chulé de um inglês de quase dois metros? O meu francês deficitário?
Perante a ameaça de pagamento, uma delas (de dimensões humildes que me levaram a apelidá-la de "grandalhona") convenceu simpaticamente as outras de que, afinal, sempre ficavam. Com cara de poucos amigos, aceitei o dinheiro e preparei-me mentalmente para ter que levar com medonhas caretonhas de criaturas francófonas durante os quatro dias da sua estada.
Nada de novo, portanto.
Por uma qualquer sorte, por aqui andava uma outra criatura francesa a vagabundear e que logo lhes disse naquele peixês típico de Marselha que isto até era um sítio catita e que elas só tinham era que ficar.
Deu-se então início a conversas: que fazem?, quem são?, porque raio vivem em Paris?, que acham da possibilidade de o Sarkozy ter um nariz maior que o permitido pela União Europeia, e outras questões de vital importância para a humanidade. Entre as profissões delas, houve uma que se recusou a dizer no que é que trabalhava, levando-me a assumir de imediato que só o podia fazer para a polícia secreta francesa e que tinha vindo até aqui para averiguar se não tinha sido eu a engravidar a Carla Bruni, acabando com as especulações e apostas nos corredores de Bruxelas.
Como é meu apanágio, introduzi-as ao conceito de "c'est la merde" para descrever toda e qualquer situação de leve desagrado, jurando a pés juntos que a tinha ouvido directamente da boca de Jean-Marie Le Pen aquando da sua derrota eleitoral há uns anos atrás contra o Chirac.
E assim se passaram quatro dias de plena doutrinação lusa, como costuma acontecer nesta estalagem donde vos escrevo.
Ontem à noite, estando as criaturas já a arrumar as suas malas para regressarem donde vieram, a grandalhona que pôs juízo nas outras todas veio falar comigo, pedindo desculpa por aquele primeiro dia da chegada delas.
Pus um ar triunfante, pronto a desfraldar a bandeira da civilização em plena torre Eiffel, quando fui interrompido por um ar um pouco para lá de humilde a dizer que ela estava desempregada.
Sorri e respondi de imediato: Ora! Sabes lá tu quantos jovens portugueses estão desempregados... C'est la merde!
Ela sorriu e continuou, afirmando que o desejo de não ficar no hostel tinha sido dela, pois a entrada (que já tanta gente fascinou com as suas arcadas e aspecto semi-gótico lusitano) lhe fazia lembrar o lugar onde tinha sido violada pelo seu professor de Matemática que, em seguida, lhe garantiu a expulsão de um programa de investigação e consequente desemprego.
Pela primeira vez em muito tempo, não consegui responder que "c'est vachement la merde..."


sexta-feira, 18 de março de 2011

De como se endireita um país

Se alguém acha que os alemães são inflexíveis, pois desengane-se.
22 horas. O meu corpo queixava-se ainda dos ruídos imensos das 200 mil pessoas que infernizaram a vida a condutores de fim de semana mais incautos que não sabiam que julgam que tudo vai bem no país enquanto a gasolina não passar a barreira simbólica dos 5€/litro.
Eis-me então no hostel, quando vejo um grupo de coreanas a entrarem na sua ordeira fila indiana. Até aí, nada de extraordinário ou incomum. Incomum foi ver uma delas a separar-se do grupo, assim desrespeitando as mais básicas regras de procedimento em caso de incêndio. Quando lhe perguntei se estava tudo bem, respondeu de forma ordeira que lhe tinham roubado a carteira no 28 e que tinha acabado de receber uma mensagem no facebook de um polícia português a dizer que a tinha encontrado.
Arregalei os olhos tanto ou mais como qualquer um de nós o possa fazer perante tal afirmação. Confesso que duvidei, mas uma vez que liguei e fui atendido por uma profissional voz a dizer: Esquadra da Murranhanha , boa noite, fala o agente Zé Manel (os nomes quase que foram alterados para evitar qualquer semelhança com a realidade)
Aí caíu-me tudo. Um agente português, ao ver-se a braços com um bi coreano, vai de fazer uma pesquisa no facebook e enviar mensagem a uma senhora coreana a dizer que tinha encontrado a carteira dela, sendo que ela podia ir à esquadra em questão levantar os documentos.
Sendo já de noite, a coreana em questão perguntou-me em quanto lhe ficaria ir até à dita esquadra de taxi. Tendo-lhe respondido que seria algo entre 10 a 15€, ela afirmou perentoriamente que comunicasse ao senhor agente que podia deixar estar, que já tinha gasto o dinheiro que tinha previsto gastar em Lisboa.
Conclusões:
a) o sistema burocrático coreano deve ser bem mais eficaz e barato que o português
b) se os nossos governantes tivessem esta perseverança financeira, não haveria tanta derrapagem orçamental
c) tirem e partilhem as vossas próprias conclusões que eu acho que não consigo mais

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Alemanha vs Rússia

Por vezes recebo pessoas que batem à porta, demonstram curiosidade em conhecer o espaço e acabam por ficar.
Por vezes recebo pessoas cuja idade facilmente dobra a minha.
Pois acontece que, num mesmo dia, recebi um alemão e uma russa dentro destes parâmetros.
O alemão, ostentando aquele sorriso sarcástico que tantas vezes aparece em filmes jocosos sobre a II Guerra Mundial, afirmou desde logo ser jornalista para um sem número de sítios de turismo, denunciou desde logo a sua nacionalidade ao pronunciar todos os "w" como "v" e insistir em chamar "abrói" à agência abreu.
A russa, de faiscante cabelo louro e óculos de sol a rivalizarem com os de Sofia Loren nos anos 70, aceitou, desde logo, um convite para ir à Tasca do Jaime para uma tarde de fado castiço, por parte do simpático alemão.
4 horas depois cá me apareceram no castelo com expressões em tudo opostas:
ele, claramente zangado por ter pago 22€ por uma tarde de boa música e pelo facto de ela lhe ter dito que não tinha dinheiro com ela e que lhe pagaria no dia seguinte, constituindo isso um motivo de alta desconfiança e de instauração de um inquérito das SS.
ela, com um sorriso de orelha a orelha a agradecer a recomendação de ter indicado um sítio tão castiço e típico.
O acerto de contas ficou marcado para o dia seguinte.
A russa foi passar uma última noite num hostel da zona do Marquês, deixando-me implacavelmente entregue às divagações do senhor alemão, que me acusou de não o ter avisado que um prato de tapas de queijo e presunto poderia custar 15€ e que a senhora era tão simpaticamente insistente em pôr comida e bebida na mesa, tendo levado com uma simpática resposta de que os donos do estabelecimento tinham que pagar aos músicos, pois ele também têm direito à vida.
No dia seguinte, veio-me logo perguntar a que horas estava prevista a vinda da senhora russa ao hostel. Respondi no meu melhor tom seco de quem acabou de acordar: Entre as 10 e as 11.
Às 11h05 veio ter comigo anunciando sobriamente que ela já não viria e que este povos de leste são assim mesmo e que já tinha perdido os seus 10€ e que isto há mulheres que assim vivem à custa dos homens.
Sorri de forma descontraída e quase tive para ir buscar uma nota de 10€ e enfiar-lha rabo acima. Felizmente que me foquei na lavagem da loiça.
O senhor por aqui andou até ouvir a porta tocar. Deu um pequeno salto, começou a arrumar os seus papéis.
Quando ela entrou na sala, já ele se tinha um sorriso espetado e largou um sonoro "Bonjourrrr Madame!" que a fez dar um pequeno salto de medo e ignorá-lo na medida do que ele tinha pedido.
Chateado com isto, desencadeou um sem número de ataques fazendo-me lembrar as miúdas que me apavoravam aos 12 anos, com toques de pura mesquinhez e insinuações de fazer corar as paredes.
Ao cair da noite, a senhora russa, vingou-se da mais elegante forma social gozando com ele toda um santo serão em que resolveu abrir uma garrafa de Porto e partilhá-la para com as pessoas do hostel num gesto de pura partilha, assim contrastando com a já famosa sovinice germânica.
Contudo, não se fez rogado ao deixar apenas acesa uma luz de presença e pôr Kenny G a tocar no pc aquando da primeira degustação de vinho, assim criando um ambiente do mais kinky possível, causando tremendo riso escarninho entre todos os presentes.
A este ambiente, respondeu a senhora russa com risos imensos, pedidos de música portuguesa e um sem número de perguntas sobre hábitos e costumes deste tão curioso e pacífico povo à beira-mar plantado.
Não aguentando tremendo ritmo de alegria e joie de vivre, o senhor viu-se obrigado a retirar para o seu quarto recusando entrar em tão hilariantes conversas .
Hoje de manhã havia um grande sorriso e uma cara de tremendo amuo.
Imaginem a quem pertencia cada uma...

sábado, 22 de janeiro de 2011

o Nome da Chave

Por muito aclamado e bom que seja o Nome da Rosa de um tal de Umberto Eco, não se compara nem em forma nem em tensão literária a um profundo mistério que me tem vindo a inquietar desde que abri o hostel.
Sentem-se, encostem os costados e disfrutem, se faz favor:

Corria o mês de maio, quando os primeiros problemas com a chave da casa de banho começaram. Duas chinesas ficaram trancadas dentro da casa de banho, vociferando estranhas palavras num misto de alemão e cantonês. Estando eu há pouco tempo por estas paragens de si belas e ignotas, pus um ar de mitra de bairro e corri rumo à loja dos chineses mais próxima (curiosa ironia) para ir comprar uma chave de fendas capaz de desmontar a fechadura.
Uma vez chegado a casa, ainda meio ofegante, dei com o facto misterioso de já terem conseguido abrir a porta por entre guinchinhos de excitação.
Mal sabia eu que havia de ser estes os primeiros de muitos.
Resolvi tirar a chave durante uns tempos a fim de evitar novas guincharias. Mas foram esses mesmos tempos cheios de guinchinhos de temor de invasões de privacidade em alturas desadequadas o que, aparentemente, é uma tradição em alguns dos países que aderiram à UE em 2004. A verdade é que os meus pobre tímpanos obrigaram a mente a ponderar e a agir de forma resoluta.
Perante tamanho choque cultural, fiz regressar a chave à sua fechadura, assim protegendo a integridade e decoro dos hóspedes mais zelosos da sua privacidade.
Entretanto, e sem grande espanto, já houve mais pessoas a ficarem presas graças a uma tremenda não compreensão do funcionamento de fechaduras, berros de desespero, sorrisos de alívio e experiências que jamais esquecerão nos dias das suas vidas.
Talvez seja mera coincidência, mas cerca de 90% das pessoas que têm problemas com as fechaduras da casa são de origem asiática... Talvez pudesse desenvolver uma qualquer teoria, mas deixo isso ao cuidado do atento leitor.
E tudo assim corria , na mais perfeita e pura harmonia até ao dia em que a chave desapareceu.
Comecei a olhar para os hóspedes com o olhar clínico e implacável de um Horatio Caine mas nada me foi dado descobrir.
Curiosamente, não houve refilares, vozes altercadas, tudo numa pacífica calma de quem, por vezes, dá mostras de salutar convivência. Deixei então esquecer este assunto durante, precisamente 4 dias. 96 horas, até que hoje acordei com vozes afogueadas e guinchinhos nervosos:
Havia alguém preso na casa de banho.
Mais uma vez a minha presença bastou para que a porta se abrisse e para que, de entre nuvens de vapor, saísse uma cara vermelhusca a agradecer tamanha libertação, apenas comparada com o desembarque na Normandia.
A chave voltou e de que maneira.
Estimado ladrão, será que poderias voltar a dar esse jeitinho na chave?

E ah, digam lá que isto não é muito mais interessante do que pessoas que morrem ao ler um livro que já não existe?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Bella ciao

Estando eu posto em sossego a ler, dou com um italiano entretido a desfazer um efeito de natal que por aqui tem andado a fazer companhia aos transeuntes.
De forma aprumada e algo descarada ia arrancando uns fios de ráfia que circundam um catita homem de neve.
Quando questionado sobre o porquê, respondeu de forma honesta que precisava deles, assim continuando a arrancar.
Enquanto dava voltas com desses fios a uma concha que tinha mão, fui obrigado a perguntar-lhe se ele achava aquela atitude minimamente normal, até porque estava a destruir património que não era dele.
Fazendo ele aquela cara típica de quem acha que o mundo nasceu em Roma e que o italiano é a língua mais comummente falada e escrita em todo o universo (estudos recentes indicam que os contactos alienígenas até hoje realizados foram todos feitos em italiano brandindo ao alto réplicas do Berlusconi assim evitando possíveis invasões do nosso planeta), respondeu-me que precisa dos fios e levou ao alto a concha que tinha na mão.
De forma piedosa menti-lhe dizendo que o enfeite não era meu e que tinha que o devolver de forma mais ou menos inteira, ao que ele se apressou a lançar fio de ráfia solta sobre a estrutura, a passar a mão como quem acaricia um cão e a encolher os ombros, lamentando a sua triste sorte, pois tão precisava daquele pedaço de ráfia.
Lamento meu bom amigo, mas estes dias que por aí andam não são fáceis para ninguém...