Esperar um ano pela Feira do Livro de Lisboa.
Esperar três semanas para ver os coentros brotarem das sementes que lancei de
forma desesperançada. Esperar oito horas para que o despertador me volte a acordar. Esperar seis minutos para começar a
ver as cebolas a dourarem num refogado. Esperar noventa minutos para se saber o
resultado de um jogo de futebol. Esperar dezasseis minutos para se completar o
aquecimento da máquina de café. Esperar um minuto e meio para ver a água
atingir os 70º que abre as portas do mate.
Embora esta espera contínua de que são feitos
os nossos dias nos dêem a tranquilidade de saber que a ordem universal ainda se
mantém mais ou menos a mesma, há um outro género de esperas que não consigo
controlar de forma racional.
Há o tempo de espera para começar a ler um
livro depois de o ter comprado ou tomado por empréstimo na biblioteca. Há o
tempo para se estrear umas botas recém compradas com a promessa de que a água
será impotente de chegar aos meus pés face às camadas defensivas de gore tex. E
houve o tempo finalmente cumprido de ano e meio para beber um chá preto
comprado no Irão. Pese embora a fotografia do bondoso senhor que mo vendeu me
controle as manhãs e já tenha até sido alvo das minhas mais sonolentas fantasias
sob forma de um conto que ainda não ousei contar, verdade seja dita que ainda
não o tinha provado. É até mesmo de
estranhar que me tenha decidido a trazê-lo para Hamburgo. Do chá iraniano a
melhor recordação que guardo foi a de ter bebido algo parecido com vodka numa
das salas da biblioteca que albergou o festival quando perguntei à equipa do
catering se seria possível beber um pouco de chá na esperança vã de que me
passasse uma dor de cabeça. Como gente de bom coração que o são a maioria dos
iranianos, não hesitaram em oferecer-me álcool. Para a dor de cabeça realmente
não há nada melhor.
A manhã por aqui estava típica de Hamburgo.
Céu cinzento, uma chuva miudinha capaz de modelar a mais simpática das
personalidades e um frio que torna as luvas e os gorros não nos nossos melhores
amigos mas num elemento indispensável da nossa existência. Para não variar entrego o meu despertar aos
poderes infinitos do chá preto esperando que este me diga que é real que estou
acordado e, mais do que tudo, vivo. Preciso de um forte, esboço eu em forma de
pensamento que nunca se chega a concretizar em palavras audíveis. Inconsciente
pego no pacote de chá iraniano e deixo-o o tempo suficiente para adquirir o tom
dourado e aquele toque levemente amargo típicos dos chás nos países muçulmanos.
E no primeiro sorver veio a memória, o prazer, o reviver, a viagem, as
leituras, os sorrisos, o que deixei, o que quis deixar e o que me invadiu sem
retorno. Picada de saudade, picada de fantasia, tudo junto numa meia hora de
olhos vazios. De nada serviu o senhor Vila-Matas nem os poemas do Manoel de
Barros. Muito menos o Die Welt.
Na rua a chuva miudinha e o frio trouxeram-me
de volta. Conto agora o tempo de espera que me resta para novo regresso amanhã
de manhã como se de uma ordem natural se tratasse.
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