Quantas cidades nos cabem na cabeça?
Desde o regresso a Lisboa que não deixo de pensar nisto.
Uma vez mais atrasado e tentando cumprir um calendário desproporcionado de reencontros e cafés suficientes para me manter acordado durante algumas semanas dou por mim a pensar no melhor caminho para o Chiado. Rua do Paraíso e depois? Subo pela Sé para logo descer ou dou a volta por baixo, Campo das Cebolas, Cais de Santarém e por aí? Num momento um mapa de Lisboa abriu-se dentro de mim como se diante estivesse. Corri para mais um encontro sem hesitar nem por um instante nos caminhos a seguir.
Já antes as ruas de Santarém me tinham albergado em passeios onde consegui calcular onde haveria sombra em plena tarde assim evitando o impiedoso sol ribatejanno. Coimbra e Porto também pareceram não me esconder grandes dificuldades. Recordava ainda com infinito carinho o caminho para o Piolho ou as sinuosas ruas da Sé velha até à Universidade.
De regresso a Hamburgo dou comigo a calcular apanhar o U1 até Wandsbek Markt, o 23 até Horner Rennbahn e talvez o 213 até Hasencleverstrasse.
A somar às cidades que posso dizer que conheço e cujas ruas não me são, de todo, indiferentes pelo facto de a elas associar um sem número de memórias espaçadas em tempos de narração interna incoerentes como o são todas elas, há ainda as cidades nas quais deixei a fantasia tomar alegremente conta das memórias: uma Varsóvia onde o palácio de Wilanow até que bem que se poderia avistar do jardim que serve de telhado à biblioteca da Universidade, uma Istambul onde a Mesquita Azul está ali mesmo ao lado do Grande Bazar ou até mesmo uma cidade da Praia onde se pode mergulhar directamente do Plateau para as águas azuis do atlântico.
A todas estas cidades há ainda que juntar as cidades que foram crescendo dentro de mim sem que nunca lá tenha estado. Há uma Buenos Aires onde o Borges ainda anda a beber café, uma Montevideo onde facilmente se pode tomar uma cerveja com o Galeano ou discutir agricultura com o Mujica num desses intermináveis cafés com bancos de madeira onde ainda se fumarão charutos que desenharão no ar palavras de Onetti a jeito de promoção e dignificação das artes. Também por entre fumo seria possível falar com o Ginsberg em São Francisco na City Lights. Poderia até dar um pulinho de fim de semana a Big Sur e beber com o Kerouac enquanto haikus surgirião da sua boca com o bater das ondas nas rochas como música de fundo. O cheiro do mar seria igual ao de Ofir.
Como estas há muitas outras cidades onde conheço ou julgo conhecer ruas e cheiros, guiando-me de forma inconsciente de forma a garantir o prazer máximo de se usufruir de espaços que mexem connosco, nos fazem sonhar, querer viver mais e mais, ler mais, ser mais.
Mas no fundo há uma questão que me tem acompanhado nestes últimos tempos:
Quantas cidades nos caberão na cabeça?
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