segunda-feira, 29 de abril de 2013

Kitschland

Achando que esta ameaça de primavera em Hamburgo já começava a ser demais, resolvi procurar o já saudoso inverno numa ilha chamada Förth. Localização: norte, já perto da Dinamarca.
Os autóctones quase que falam alemão, pese embora haja uma clara predominância de expressões de origem duvidosa como é o caso de um certo "moin, moin"* levemente cantado. Prova da estranheza deste idioma é o facto de ser capaz de fazer as pessoas sorrir quando se saúdam.
Sendo uma ilha perfeitamente explorável ao alugar-se uma bicicleta por 5€/dia, lá o fiz sentido na pele o que terão passado o Serpa Pinto e o Capelo e Ivens nas suas explorações africanas. A incerteza do que iria encontrar foi constante e sempre duvidei se estaria  preparado para o que encontrasse. Mas a adrenalina é capaz de coisas extraordinárias!
Vencendo um forte e constante cheiro a excrementos de ovelha e de cavalo que controlam a ilha lá me lancei à exploração e descoberta de pequenas aldeias onde, entre cafés simpáticos e casas dignas de hobbits (telhados de palha e consideravelmente baixas), me deparei com o principal objecto deste relato: um café onde a palavra Kitsch não tem poder suficiente para o descrever.
Se bem que seja comum à maioria das pessoas que vivem à beira-mar uma certa tendência para se deixarem levar pelos demónios do kitsch (âncoras, representações de gaivotas, personagens algo parecidas com o Capitão Haddock a espreitarem pelos mais diversos sítios e os mais variados modelos de barcos por todo o lado), o sítio que vos vou descrever em seguida ultrapassa qualquer realidade ou a mais negra das fantasias.
Alte schule, ou Escola Velha na nossa boa língua latina, está numa encantadora aldeia de nome impronunciável onde as ruas são limpas e as pessoas sorridentes. Passando um pequeno portão onde há um aviso para ter cuidados com as mini-galinhas que podem fugir ou ser pisadas a qualquer instante, entra-se num jardim onde começam a surgir as primeiras réplicas de anjos barrocos. Nada que assuste um explorador do meu calibre, pensei.
Mas na realidade eu não estava minimamente preparado para o que o interior da casa me reservava.
Mesas com nomes tão inspiradores quanto Mesa do Coração, Alice no País das Maravilhas ou Canto dos Ursinhos de Peluche fazem parte de toda um conjunto de parafernália que termina gloriosamente em duas arcas frigoríficas cheias de doces capazes de matar o mais resistente corredor de maratona numa questão de segundos. As verdadeiras montanhas de natas a envolverem fatias de bolo de chocolate e a proposta de beber um vulgo latte machiato com xarope de canela e dupla camada de natas causaram-me algum enjoo, confesso. Mas não foi esse enjoo tão grande quanto o sentido ao deparar-me com a empregada. Uma mulher nos seus cinquenta com um vestido cor de rosa onde o corpete a segurar o passar do tempo e as meias brancas de renda se aliavam de forma a produzirem uma das mais grotescas imagens que já me foi concedida ver nestes dias da minha vida. Claro está que o facto de ela dizer "aqui está o seu prazer" ao servir à mesa estas bombas não ajudou a melhorar todo este cenário dantesco.
Mas o melhor ainda estaria para vir.
Quando paguei recebi em troca um coraçãozinho de feltro para que me recordasse eternamente daquele lugar.
Na realidade, não tinha sido necessário tanto trabalho. Com ou sem coraçãozinho sempre me irei recordar dele.



* Expressão equivalente ao mais comum e aceite Guten morgen

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