Neste Dia Mundial do Livro decido-me a escrever sobre uma das coisas que faz tempo acompanha as minhas leituras: o narguilé.
Parece piada. Não o é. A junção dos dois é para mim quase tão perfeita que às vezes consigo até marcar quantos terei fumado durante um livro. O Baudolino, que estou preste a terminar, vai com sete. A maioria das pessoas marca o tempo que demorou a ler um livro. Eu marco-o com narguilés.
Quase consigo precisar no tempo a primeira vez.
Foi na cave do épico 222 ali pelo Saldanha que fui confrontado pela primeira vez com tão deliciosa mistura. Os tempos eram outros. Eu nunca tinha pago irs. Apesar de ter começado a pagá-lo e das voltas que a vida me tem dado, muitas foram as vezes que voltei mesmo tendo a minha pequena colecção privada de narguilés. Se por um lado havia a simpatia do Nasser, por outro a natural decadência do lugar, ideal para longas horas de solidão foram factores determinantes para este meu regresso constante.
Outros lugares houve que me marcaram em especial: em Istambul rodeado de velhos que discutiam futebol (só podia ser futebol graças à forma apaixonada como berravam entre eles), em Urmia entre contadores de estórias e clientes admirados com tal presença de comitiva internacional ou em Cáceres numa antiga cave de vinhos remodelada ao gosto marroquino e com rumba a derramar-se pelos altifalantes.
Por Hamburgo, e apesar da grande comunidade turca aqui presente, confesso que nunca me senti particularmente entusiasmado a entrar em nenhum café de fumo. Todos eles têm ar de café mafioso russo: pouca luz, televisões gigantescas a transmitirem futebol, neons roxos do lado de fora e nomes tão atractivos como Shisha Palace ou Cocktail Shisha.
Contudo, no outro dia resolvi vencer todo este meu preconceito e lá me resolvi entrar num destes sítios a fim de vencer a hora que me restava de uma espera. De Baudolino na mão lá me encaminharam para uma mesa. Sofás confortáveis e uma música detestável. Num momento imaginei-me de volta a Magalluf rodeado de ingleses e alemães em plena adolescência a embriagarem-se como se não houvesse amanhã. Em meu redor havia uma mescla de clientes que ia desde jovens de véus a cobrirem-lhes por completo a cabeça até um grupo de Erasmus onde se destacava um espanhol que a cada dois minutos perguntava a um outro: Que dijo? Vaya mierda de idioma, el alemán!
Cumpri a minha hora com rigor espartano e um bom avanço baudolinistico. Não consegui esconder uma certa satisfação quando regressei ao ar livre e ao ruído agradável de comboios e carros junto à Estação Central (vulga Hauptbahnhof).
Hoje, quando terminar estas lides Ecoanas aqui por casa, marcarei possivelmente o oitavo.
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