sábado, 19 de janeiro de 2013

De como as aparências iludem

Existe nesta cidade que acolhe as minhas ossadas geladas um dos museus mais fascinantes que já visitei em toda a minha vida. O Völkerkundemuseum (que se poderá traduzir simplesmente por Museu de Etnologia.  Isto esta gente gosta de complicar em termos linguísticos, mas isso não é novidade) apresenta uma coleção invejável de peças oriundas do mais distintos países do mundo nos quais figura orgulhosamente um presépio português.
Depois de na passada sexta-feira ter regressado a fim de conseguir explorar um pouco mais uma casa maori existente numa das alas, resolvi combater o frio implacável que se tem instalado nestas zonas que nem mafiosos na Rússia ou ratazanas no Convento de Mafra. Café, pensei, café.
Vi então um onde na montra pontuavam algumas empanadas aqui muito do meu agrado juntamente com outras iguarias que prometiam aquecer um fim de dia já marcado pela escuridão.
Envergando o capote alentejano que tantas batalhas tem ganho à neve lá me decidi a entrar.
No interior do café pontuavam 2 pessoas: o dono e um tipo de bigode sentado na mesa em frente ao balcão. Depois da casa Maori confesso que o possível silêncio do local não me pareceu demasiado mau. Alturas há em que uma pessoa se vê envolvida de uma tremenda necessidade silêncio a fim de conseguir chegar a fabulosas conclusões sobre o que irá cozinhar para o jantar e outras coisas que tais.
Estando eu a degustar um aprazível rooibos e com uma empanada à frente, eis que me apercebo que são portugueses os meus companheiros e que não se privavam de descrever sangrentas mortes na vida animal utilizando expressões eloquentes como: "...então o sacana do crocodilo pegou na bicha e desfez a puta toda. Aquilo era impressionante! Mas os bichos são assim mesmo. Fodidos."
De certa maneira, e fazendo uso dos meus estudos  aplicados de Introdução à Linguística II no já ido ano de 2000, resolvi não me denunciar enquanto patriota daquela gente, mantendo um agradável anonimato de Murakami na mão.
Eis então que o tema de conversa muda subitamente para o capote.O meu capote.
Como poderá o iluminado leitor destas palavras imaginar, a forma de expressão não mudou em demasia, matando de uma só cajadada quase todas as saudades que tinha de Portugal.
À saída fiz questão de pedir a conta em português e como o dono do café me respondeu "sechsundsechzig", resolvi iluminá-los  de que o casaco era um capote alentejano e que agradecia os comentários tecidos de forma tão despudorada.
"Já que meti a pata na poça, apresento-me", disse o cliente do café.
"Deixe estar. Não conto voltar. Obrigado"
Lá fora a neve e o frio não me pareceram assim tão más.

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