Microcosmos:
Ao sentir a bicicleta a escapar-me em dia de chuva por estas terras de Hamburgo, saltei de forma a causar uma certa inveja em todo uma geração de ginastas soviéticos, assim salvando a minha pele de um contacto mais intenso com o pavimento municipal. Contudo, não consegui evitar que a bicicleta fosse a resvalar indo roçar as calças de uma senhora de indumentária empresarial que, como está bom de ver, não se dignou a desviar evitando um possível conflito. Perante o horror de ver a perna das calças levemente tocada por um bocado de lama, a senhora não se escusou a lançar um "ehhhh" de horror e nojo.
Humildemente pedi desculpa afirmando honestamente que a culpa não era minha.
Um "pffff" de nojo existencial saiu dos seus lábios.
Neste momento confesso que a minha latinidade se fez sentir nas veias, proferi um bom par de asneiras em tradicional vernáculo lusitano, e disse-lhe em bom alemão que "esta gente não é normal".
Pegando na bicicleta, prossegui o meu caminho libertando nas pernas todas as minhas frustrações e raivas sociais.
Macrocosmos:
O presidente de uma junta de freguesia schiki-micki (como se diria nestas bandas) de Hamburgo, possivelmente comparável à lisboeta Lapa, anunciou publicamente que iria reabilitar um edifício devoluto a fim de poder receber refugiados sírios.
A opinião dos moradores do bairro logo se fez sentir num conjunto de entrevistas à televisão onde anunciaram que isso não podia ser, pois que seria dos pobres refugiados que se iriam sentir tão mal com as aberrantes diferenças sociais. E onde poderiam eles ir às compras? Ali é tudo razoavelmente mais caro. Talvez Hamburgo tenha outros bairros mais periféricos e baratos para onde os possam enviar. Até pode ser que lá haja outra gente como eles. Que insensato so senhor presidente da junta, proclamaram.
O grito de "esta gente não é normal" voltou a ecoar dentro de mim....
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