Uma das grandes dúvidas que sempre me assalta quando recebo um novo cliente é "Quem és tu?"
Por muitos papéis que uma pessoa peça, isso acaba por não responder a nada de muito concreto pois ao fim de mais de ano e meio, talvez possa garantir que já tenha visto coisas soberbas, impressionantes, inenarráveis até que não teriam cabimento em papéis com selos oficiais. Poderei concluir que cada pessoa é diferente das demais, mas no meio disto tudo há padrões que começam a surgir: tirando gloriosas excepções (até ao momento apenas uma), todas as pessoas que pedem para ficar durante períodos mais alargados têm alguma particularidade que as torna em seres a evitar, quais testemunhas de Jeová à porta de Santa Apolónia.
Desde o épico besugo, referido nos primeiros posts deste blogue, passando pelo belo Max (também por aqui referido) até ao famoso Álvaro que, no auge dos seus 50 anos, dormia pelado num quarto recheado de jovens meninas ou o norueguês John que, a qualquer hora do dia ou da noite, poderia ser encontrado de cerveja na mão e cigarro na boca na zona do poço, todos eles eram capazes de ser nomeados como cromos dourados quase impossíveis de encontrar, até mesmo nos simpáticos senhores que a essa faina se dedicam à porta da estação do Rossio.
Pois é então que o final de Outubro me traz uma delicada senhora dos seus 57 anos.
Ao início tudo bem, excluindo uma ou outra conversa mais alongada sobre a sua débil saúde ou o estado do país. Mas pouco tempo foi preciso para que outras conversas começassem a surgir: De como tinha sido expulsa do sistema de ensino, de como o filho lhe foi tirado em plena pousada da juventude de Santarém por polícias pagos pelo ex-marido ou de como lhe encheram as paredes de merda (cito textualmente) em plena cidade do Porto.
Daí até às acusações de que a queriam matar no hostel pelo facto de se ter varrido o chão antes mesmo de ela passar e haver um levantamento de pó semelhante à onda que se levantou do Tejo em 1755 ou de que eu, exilado momentariamente em Tenerife, tinha enviado ordens específicas para que um casal polaco que nunca vi na minha vida "praticasse o sexo " com o intuito de não a deixar dormir, foi um passo mais pequeno do que desta página do blogger até ao facebook.
E no dia em que chegou qual revolucionária francesa interrompendo o meu mais matinal chá a vociferar em plenos pulmões que estava a ser impedida de dormir enquanto preparava o pequeno-almoço, decidi convidá-la a sair nesse preciso instante. Dei-lhe uma hora para arrumar as suas coisas. Quando essa hora findou, ela surgiu, armada de óculos de sol a afirmar que não saía e que ia eu fazer perante tal situação. Anunciei em voz pousada que iria pôr as coisas dela na rua e, enquanto virava costas, ela correu hostel fora, barricando-se numa academia de música no outro lado da rua. Chamou a polícia e desapareceu. A última notícia que tive dela foi no dia seguinte, quando me ligou a dizer que viria buscar as coisas com duas testemunhas. "Com certeza, respondi". Não veio. Passou já quase uma semana depois disto e resolvi abrir o cacifo. Por entre roupas e papéis, muitos papéis e sacos de plástico, um papel de selo oficial se destacou: Mandado de Condução a um hospital psiquiátrico na cidade do Porto.
Às vezes os papéis até que conseguem resumir bem quem temos à nossa frente
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