Sendo este um negócio que tantas vezes sobrevive dos tustos contados de pessoas dos mais diversos cantos deste nosso universo, tenho tido o prazer imenso de ver as mais diversas atitudes perante a vida.
Pessoas que lutam por dormir no chão, que discutem preços de dormidas ao ridículo do cêntimo, que não hesitam em ir a pé da Graça a Belém para poupar 1,05€, são várias e todas elas fabulosas, mas não se comparam à brutal luta por comida na prateleira da cozinha destinada a tudo o que se quer partilhar.
A violência e voracidade atingem níveis tais que o mais incauto dos transeuntes cedo fica com medo de ter pedaços do seu corpo arrancados e cozinhados entre cheirosos refogados de cebola e água.
É, pois, neste contexto que não consigo deixar de citar dois dos mais brilhantes exemplos que por aqui passaram:
1) corria o chuvoso mês de novembro, quando bate à porta um indivíduo caucasiano de quase dois metros com os olhos a brilharem perante a possibilidade de uma noite longe do frio e das contrariedades temporais que novembro sempre traz.
Apresentado ao hostel e largada a mochila de tamanhos vikingos, dou com ele a fazer uma lista exacta de tudo o que nas prateleiras habitava, convidando-me em seguida para ir com ele ao minipreço. Acedi com a curiosidade única que me habita desde que o Benfica ganhou o campeonato tendo Neno como guarda-redes.
Uma vez no minipreço tive o prazer de assistir ao brilhante desenrolar de cálculos sobre calorias mínimas para sobreviver vs preço dos produtos, tendo assistido à poderosa decisão de comprar uma lata de feijão encarnado e um pacote de lentilhas num total de 86 cêntimos. Claro está que perante tal gasto, tive que ser vítima do comentário de que Portugal, afinal, não era um país assim tão barato. Lamento, respondi-lhe. Se quiseres dou-te a morada do turismo de Portugal ou do ministério da Economia para que possas propor medidas de exploração miserável que nos aproximem da China ou um qualquer outro país catita de se viver.
Assustei-me quando o vi ponderar nestas minhas propostas.
Mais me assustei quando o vi cozinhar de forma dolorosa as lentilhas sem terem sido demolhadas. Quando com ele partilhei a milenar sabedoria de que as lentilhas têm que ser demolhadas umas tantas quantas de horas ants, ele não deixou de largar um scheisse!, lamentando a má-sorte que o tinha acossado.
Pfff, desperdiçar dinheiro assim com a crise que para aí anda, pensei eu, enquanto lhe punha uma mão no ombro, quase dando aquela estranha e quente sensação de compaixão.
Nesse dia, vi-o comer arroz integral de origem polaca, feijão vermelho, 1 caldo knorr de carne e ketchup.
Horrorizados?
2) Ontem vi uma indivídua a comer esparguete com sal.
A prateleira estava quase vazia.
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