sábado, 22 de janeiro de 2011

o Nome da Chave

Por muito aclamado e bom que seja o Nome da Rosa de um tal de Umberto Eco, não se compara nem em forma nem em tensão literária a um profundo mistério que me tem vindo a inquietar desde que abri o hostel.
Sentem-se, encostem os costados e disfrutem, se faz favor:

Corria o mês de maio, quando os primeiros problemas com a chave da casa de banho começaram. Duas chinesas ficaram trancadas dentro da casa de banho, vociferando estranhas palavras num misto de alemão e cantonês. Estando eu há pouco tempo por estas paragens de si belas e ignotas, pus um ar de mitra de bairro e corri rumo à loja dos chineses mais próxima (curiosa ironia) para ir comprar uma chave de fendas capaz de desmontar a fechadura.
Uma vez chegado a casa, ainda meio ofegante, dei com o facto misterioso de já terem conseguido abrir a porta por entre guinchinhos de excitação.
Mal sabia eu que havia de ser estes os primeiros de muitos.
Resolvi tirar a chave durante uns tempos a fim de evitar novas guincharias. Mas foram esses mesmos tempos cheios de guinchinhos de temor de invasões de privacidade em alturas desadequadas o que, aparentemente, é uma tradição em alguns dos países que aderiram à UE em 2004. A verdade é que os meus pobre tímpanos obrigaram a mente a ponderar e a agir de forma resoluta.
Perante tamanho choque cultural, fiz regressar a chave à sua fechadura, assim protegendo a integridade e decoro dos hóspedes mais zelosos da sua privacidade.
Entretanto, e sem grande espanto, já houve mais pessoas a ficarem presas graças a uma tremenda não compreensão do funcionamento de fechaduras, berros de desespero, sorrisos de alívio e experiências que jamais esquecerão nos dias das suas vidas.
Talvez seja mera coincidência, mas cerca de 90% das pessoas que têm problemas com as fechaduras da casa são de origem asiática... Talvez pudesse desenvolver uma qualquer teoria, mas deixo isso ao cuidado do atento leitor.
E tudo assim corria , na mais perfeita e pura harmonia até ao dia em que a chave desapareceu.
Comecei a olhar para os hóspedes com o olhar clínico e implacável de um Horatio Caine mas nada me foi dado descobrir.
Curiosamente, não houve refilares, vozes altercadas, tudo numa pacífica calma de quem, por vezes, dá mostras de salutar convivência. Deixei então esquecer este assunto durante, precisamente 4 dias. 96 horas, até que hoje acordei com vozes afogueadas e guinchinhos nervosos:
Havia alguém preso na casa de banho.
Mais uma vez a minha presença bastou para que a porta se abrisse e para que, de entre nuvens de vapor, saísse uma cara vermelhusca a agradecer tamanha libertação, apenas comparada com o desembarque na Normandia.
A chave voltou e de que maneira.
Estimado ladrão, será que poderias voltar a dar esse jeitinho na chave?

E ah, digam lá que isto não é muito mais interessante do que pessoas que morrem ao ler um livro que já não existe?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Bella ciao

Estando eu posto em sossego a ler, dou com um italiano entretido a desfazer um efeito de natal que por aqui tem andado a fazer companhia aos transeuntes.
De forma aprumada e algo descarada ia arrancando uns fios de ráfia que circundam um catita homem de neve.
Quando questionado sobre o porquê, respondeu de forma honesta que precisava deles, assim continuando a arrancar.
Enquanto dava voltas com desses fios a uma concha que tinha mão, fui obrigado a perguntar-lhe se ele achava aquela atitude minimamente normal, até porque estava a destruir património que não era dele.
Fazendo ele aquela cara típica de quem acha que o mundo nasceu em Roma e que o italiano é a língua mais comummente falada e escrita em todo o universo (estudos recentes indicam que os contactos alienígenas até hoje realizados foram todos feitos em italiano brandindo ao alto réplicas do Berlusconi assim evitando possíveis invasões do nosso planeta), respondeu-me que precisa dos fios e levou ao alto a concha que tinha na mão.
De forma piedosa menti-lhe dizendo que o enfeite não era meu e que tinha que o devolver de forma mais ou menos inteira, ao que ele se apressou a lançar fio de ráfia solta sobre a estrutura, a passar a mão como quem acaricia um cão e a encolher os ombros, lamentando a sua triste sorte, pois tão precisava daquele pedaço de ráfia.
Lamento meu bom amigo, mas estes dias que por aí andam não são fáceis para ninguém...